Red Wine

Kristine, 14.

Sábado — 21:24

    Nós não temos noção do quão impressionante e cheia de surpresas a vida pode ser.

    Nunca sabemos exatamente o que nos espera durante o dia, e mesmo que tenhamos um roteiro e propostas a serem seguidas, determinados acontecimentos podem te desestruturar negativa ou positivamente. Ultimamente, saturada pelas más ocorrências, eu vivia com as mãos estendidas para o céu pedindo por uma novidade boa, algo que aconteceria de repente e transformaria absurdamente minha realidade, trazendo de volta a alegria que me consumia.

    E tudo indicava que minhas preces foram ouvidas.

    É claro que as desgraças ainda não haviam cessado, até porque é de mim que estamos falando, mas posso garantir que, a partir deste capítulo, você pode começar a respirar aliviado. Meu castelo de cristal estava recebendo seus primeiros blocos, e, um dia, ele seria tão lindo que poderia cegar qualquer um que o visse, principalmente aqueles que me fizeram mal.

    Eu repudiava mentiras e odiava ser alvo delas, porém, meu nível de atuação andava tão absurdo que eu estava começando a fingir coisas para mim mesma. Costumamos desabar quando estamos sozinhos, em nosso íntimo, cansados de vestir a máscara de falsa felicidade na frente dos outros, e era isso que eu fazia — sem sucesso — até então. Foram meses sobrevivendo dessa forma, escondendo-me das pessoas que se importavam comigo enquanto omitia informações importantes, responsáveis pelo consumo de toda minha energia e vitalidade. Eu era um corpo vazio, assustado e desesperançoso, que só queria saber como era estar cheio novamente.

    E para falar a verdade, o pior ainda estava por vir.

    Hoje eu digo, com toda a convicção, que tentar resolver todos os seus problemas sozinho é um erro gigantesco. Guardar para si acontecimentos traumáticos ou negativamente relevantes é suicídio, e o único resultado que se pode obter com essa atitude é o abismo. Não desenvolvi patologias psicológicas, entretanto, acredito que cheguei muito perto de cair por culpa da minha própria teimosia.

    Sério, sigam meu conselho e permitam ser ajudados, pois você não precisa e nem deve carregar tanto peso sozinho. Você não é um problema e não está incomodando, entenda isso e jamais passará pelo que passei.

    Estou dizendo isso porque foi naquela noite, em especial, que cheguei ao meu limite.

    Todas as luzes estavam apagadas, e a única fonte de iluminação vinha do sugador de fumaça, que vibrava acima do fogão. A brisa gelada que emanava do ar condicionado me arrepiava o corpo, porém, sempre que seu frescor me atingia, eu deslizava modestos goles de vinho pela garganta até que estivesse aquecida novamente. Além disso, o chiado da frigideira fazia com que eu me sentisse menos sozinha naquele ambiente melancólico, algo que a TV também faria dentro de alguns instantes.

    A alguns quilômetros dali, Hayato dirigia-se para sua festa de formatura, seu momento glória após dedicar 5 anos de sua vida para o bacharelado em odontologia. Ele era incrível no que fazia, amava sua profissão e merecia todas as homenagens possíveis pela devoção que entregava à sua carreira, e eu sabia que ele não queria nada além da nossa presença. Não existiam títulos, brindes ou reconhecimentos que substituíssem o nosso comparecimento, pois ele valorizava muito mais o amor que o cercava, ao invés dos méritos que conquistava. E eu, de um jeito ou de outro, tirei dele a oportunidade de aproveitar esse momento plenamente.

    Por este motivo, ciente de que enfrentaria uma noite difícil, decidi fazer algo que parece bom, mas é bem idiota quando se está visivelmente consternado: bloqueio mental. Toda vez que algum pensamento ruim tentava acessar minha consciência, eu o bloqueava e focava em alguma outra coisa que estivesse diante de mim, seja lá o que fosse. É uma tática excelente para quando se precisa aliviar o estresse, esquecer de coisas que estão fora do seu alcance e acalmar ansiedades desnecessárias, o que não era exatamente o meu caso. Meus abacaxis precisavam, sim, de atenção.