Hayato, 15.

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DOMINGO - 9:34 A.M.


    Sou grato a muitas coisas nesse mundo.

    Agradeço pelo ar quase puro que temos para respirar, pela possibilidade de beber coca-cola quando se tem vontade, pela infinidade de músicas boas disponíveis para ouvir... Porém, acima de tudo, sou grato pela existência de pessoas ajuizadas, que não me deixam acabar com a garrafa de vinho, me poupando da pior ressaca do universo alcoólico.

    Acordar disposto num domingo não tem preço, sobretudo quando se sabe que, se dependesse de você, o dia começaria com uma belíssima vomitada no tapete. Ao contrário disso, excepcionalmente, fui despertado pela claridade suave que adentrava a sala, me convidando a levantar para fazer uma caminhada matinal pela cidade.

    Muito romântico, mas a claridade que se foda. Exercícios físicos estavam totalmente fora de cogitação, até porque algo muito mais importante se encontrava no mesmo recinto que eu.

    Quero dizer, se encontrava, né?

    Assim que abri os olhos, enquanto organizava as ideias na cabeça, cogitei se aquilo estava mesmo acontecendo. Era inacreditável demais para o meu gosto, como um sonho lúcido que você jura ter ocorrido de verdade, mas fora simplesmente uma obra da sua paralisia do sono. Aliás, coisa horrível essa paralisia, não desejo pra ninguém.

    Minha consciência se recusava a aceitar que Kristine estava em minha cama, que havia dito que me amava, e que passara a madrugada em claro me fazendo companhia. Eu não sabia se tinha me deixado levar pela emoção quando fiz o mesmo, se o seu "eu te amo" era tão pesado quanto o meu, mas eu não queria estragar o clima. Ela sempre foi muito escorregadia, muito fechada, e se eu tentasse cavar mais a fundo, poderia colocar tudo a perder.

    Eu queria comprovar que não estava surtando e que, de fato, era ela quem estava ali, e não o Benjamin com uma peruca castanha. Entretanto, assim que essa imagem horrenda surgiu em meu imaginário, lembrei-me das obrigações urgentes e das pessoas que deixei para trás anteriormente. Deixá-los sem uma justificativa já fora ridículo, e eu devia, no mínimo, me desculpar com ambos pelo vacilo. A primeira seria Marina.

    Assim que desbloqueei a tela do celular, me deparei com diversas mensagens de vários contatos, incluindo aqueles a quem eu devia explicações. Lembro-me de ter abandonado o mundo virtual para curtir a realidade, abrindo exceção somente para meus pais, o que acarretou nesse acúmulo de notificações. Enfim, Marvin poderia esperar, Elena também minha prioridade eram os dois mosqueteiros abandonados.

"Aconteceu alguma coisa?"  Dizia Marina  "Assim que puder, me diz se está tudo bem!"

    Ora, bem suave. Se fosse minha ex em seu lugar, eu já estaria estampado na capa do jornal, ostentando uma faca de cozinha cravada no peito. Ok, a comparação não foi justa, já que não tínhamos nenhum vínculo e éramos só amigos, mas vai saber né?!

"Tá tudo bem sim, obrigado pela preocupação. Me desculpe por abandonar vocês ontem, precisei resolver uma situação de família, mas já está tudo bem. Depois eu compenso o vacilo. Obrigado por ter me acompanhado e desculpa de novo.".

    Simples, porém sincero. O número da doceria Surreali já estava salvo em minha agenda, e eu sabia que ela amava o bolo Red Velvet de lá. Uma simples fatia não seria o suficiente para indenizá-la, mas sim, um bolo inteiro. Com uma latinha de refrigerante pra ficar maneiro. Resolvido.

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