6:50 A.M. - Sexta-Feira
A única missão do inconsciente é foder com nossa dignidade, pois não importa o quanto a consciência lute, ele sempre dará um jeito de aparecer para sorrir na janela com escárnio.
Quando a encarei, assim que abri os olhos, foi como ouvir meu cérebro dizer "Olá filho da puta, acabo de entregar seu joguinho", e não havia nada que eu pudesse fazer para consertar aquilo. É claro que disfarcei durante todo o resto da reunião, mas ao deitar no sofá para tentar relaxar e dormir, senti meu rosto queimando em vergonha. Sou bastante extrovertido e tranquilo para algumas coisas, mas extremamente tímido para outras. Relacionamentos amorosos entram no segundo caso.
Ahh, se não fosse a cerveja, eu teria infartado diante do desafio de Mia, e não estou exagerando. Não deu pra ficar bêbado, porém, o pouco de coragem que o chá de cevada me proporcionou fora o suficiente para que eu cumprisse com meu dever de cabeça erguida. Obrigado, Heineken, por segurar minha mão nos momentos difíceis, você sempre terá um espaço no meu coração. Mas por favor, na próxima, apaga minha memória!
Seu rostinho assustado ficou impregnado na minha cabeça como uma cicatriz, só que mais bonita do que as que eu tinha nos joelhos, decorrentes de tombos bem dados nas ruas de Hamamatsu, Shizuoka. Aquela lagrimazinha solitária também não passou despercebida, e sua presença insistia em me convencer de que, sem dúvidas, ela havia entendido para quem me declarei.
Ou poderia significar somente que minhas palavras foram bonitas, deixando-a emocionada.
Tanto faz. Eu não sabia, e sendo bem sincero, não queria saber. Tudo que eu desejava no momento era um chá de cogumelo que me fizesse viajar para outra dimensão, onde meu nome seria Barney e minha grande paixão seria a criação de caprinos, feita numa fazenda pacata longe de qualquer buceta proibida que pudesse me seduzir por anos.
O constrangimento era tão grande que mal consegui me concentrar na minha leitura noturna, e precisei reler o mesmo parágrafo umas vinte vezes. Ok, o fato de estar segurando o livro que ela me deu não ajudava em nada, mas eu estava interessadíssimo na história há tempos e não dava para desistir agora. As letras saltavam das páginas, as lembranças do acontecimento roubavam minha atenção, e quando eu me dava conta, estava paralisado e tomado por pensamentos.
Entretanto, com muito custo, consegui ler algumas páginas e peguei no sono, acordando somente na manhã seguinte graças ao aroma de café preparado por Marvin. À essa altura, o livro estava caído no chão e o edredom só cobria meus pés, mostrando que tive uma noite consideravelmente agitada. Não era para menos.
— Bom dia, Príncipe apaixonado! — Marvin começou, erguendo sua xícara em minha direção.
É, ninguém ia esquecer disso tão cedo.
Tentar falar comigo assim que acordo é inútil, pois minha resposta se limitará a murmúrios. Não é mau humor, mas sinto como se minha língua se recusasse a soltar o céu da boca, impedindo que qualquer palavra seja dita antes que eu coma ou beba algo. Por isso, levantei-me à contragosto e segui até a cozinha apertando os olhos, e eu sei que você está se coçando pra dizer que meus olhos já são apertados. Pois diga.
A tímida iluminação matinal entrava pelas janelas, mergulhando o ambiente num clima deliciosamente confortável, e o som dos pássaros cantando no quintal completava o conjunto. As torradas, fatias de bolo e a garrafa térmica dispostas sobre a mesa faziam meu estômago roncar, o que era inédito para alguém que só sentia fome após as 8h.
O casal sempre acordava bastante adiantado, alegando que demoravam para ficar prontos, e acabavam servindo de despertador para mim. Enquanto eu acordava, Marvin já estava de banho tomado, cabelos impecavelmente penteados e vestindo sua roupa social muito bem passada por ele mesmo, como um verdadeiro mister. Por outro lado, Mia provavelmente terminava sua maquiagem no banheiro, deslizando o delineador pela pálpebra até que ficasse perfeitamente desenhado. Quando ela me visse ali, minha paz terminaria.
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Red Wine
RomanceQuão condenável é ter vinte anos de idade e apaixonar-se pela irmã de seu melhor amigo, cinco anos mais nova? E quão torturante é ter de sufocar seus sentimentos por julgar ser improvável que alguém tão mais maduro se interesse por você? Dominados p...