Kristine, 7.

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    Ele não se lembrava de nada. Absolutamente nada do que ocorreu.

    Antes de adormecer, lembro de ter perguntado a mim mesma se existia a probabilidade de frustrar-me ainda mais quando acordasse, e eu achava que não. Acreditei que havia atingido o apogeu do desgosto, mas constatei, da pior forma, que para chegar lá ainda faltavam muitas desventuras.

    Um momento que deveria ser fabulosamente marcante, no fim, trouxe mais uma ferida em um coração que já estava enfermo. Mesmo que eu pretendesse deletar aquela memória, as marcas que deixamos um no outro dificultavam no processo e destacavam-se como provas de um crime hediondo, cujo castigo estava sendo devidamente aplicado. Só quem teve o desprazer de sentir na pele essa angústia, pode entender o quão desanimador é pensar em amar alguém de novo, um dia.

    A princípio, cogitei dormir em casa com a ajuda de meus fones de ouvido e uma boa dose de escuridão, entretanto, descobri que seria inviável quando paramos na estrada para fazer um inocente lanche. Entre gotas de refrigerante e palitos de batatas fritas, testemunhei o crescimento do amor de duas pessoas, que faziam questão de exibir sua compatibilidade por meio de beijos e carícias. Não me refiro à Mia e Marvin.

    Assim sendo, concluí que nem mesmo as notas mais graves de guitarras, ou pancadas mais violentas de bateria, seriam capazes de me fazer adormecer sob o mesmo teto que ele. Minha alma implorava por descanso, e para satisfazê-la eu precisava ficar longe de quem amava, somente por um instante.

    A solução para meu conflito interno era Casey Roman, a amiga que eu havia afastado por culpa de Nathan.

    Ela morava com sua mãe no bairro vizinho, em uma casa pequena e simples, rodeada por árvores e arbustos. O divórcio de seus pais, quatro anos antes, deixara como presente aquele humilde imóvel e uma fragilidade emocional severa que as afetava intensamente, ainda que negassem veementemente o fato. Infelizmente, as provas estavam lá, espalhadas pela casa, em forma de garrafas e maços de cigarro vazios. 

    Apesar de tudo, o ambiente conseguia ser extremamente acolhedor devido ao carinho que ambas tinham por mim, além do esforço que exerciam para fazer com que eu me sentisse em casa.

    Todavia, neste momento, tudo o que eu queria era estar longe de casa.

    Precisei encher-me de coragem para enviar uma mensagem, pois faziam aproximadamente três meses que não nos falávamos decentemente, e eu me sentia uma idiota por permitir que chegássemos a tal ponto. Deixar-me manipular por ele causava repulsa, e ela teria toda a razão se não quisesse me ver ou responder, ignorando minha existência como se nunca tivéssemos nos conhecido.

    No entanto, para meu espanto, ela não só quis como também fez questão de digitar sua resposta rapidamente, de maneira animada, ilustrando seu entusiasmo com diversos coraçõezinhos. Magnífica, como de costume.

    No fim, fui carinhosamente recebida por uma Casey diferente da que vi pela última vez, fazendo jus à camaleoa que insistia em ser. Esbanjando fofura, seus cabelos curtos e pretos agora ostentavam uma franjinha desfiada, que cobria a testa quase completamente. Por outro lado, os volumosos lábios, isentos de maquiagem, continuavam iguais e contornavam um dos sorrisos mais meigos que tive o prazer de conhecer, embora seus dentes caninos fossem significativamente pontudos.

    Minha consciência flutuou na mais absoluta serenidade quando recebi seu caloroso abraço, assim que pisei em sua varanda. O gesto era uma clara resposta ao meu desconforto inicial em sua presença, mostrando-me que permanecíamos tendo a mesma conexão sólida, apesar do afastamento sofrido recentemente. Os disparos dentro do meu peito castigavam-me por tê-la deixado de lado, e conspiravam para que eu desejasse estar por perto com frequência, para que pudesse voltar a sentir sua incrível energia contagiando-me.

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