Hayato, 10.

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10:53 A.M. - Quinta feira

    Melhor do que satisfazer uma mulher na cama, é satisfazer um paciente na cadeira odontológica. Os murmúrios de dor não são tão gostosos quanto os gemidos de prazer, mas o sorriso aliviado no fim do procedimento é impagável e faz tudo valer à pena. À propósito, eu sonhava em, um dia, poder ter a chance de atender um paciente masoquista que revirasse os olhos em tesão durante sua cirurgia. Pense no quanto deve ser cômico ouvi-lo pedindo para enfiar o bisturi mais fundo? Essa seria minha nova meta de vida.

    Porém, naquele dia, minha meta era cuidar de Gabriella Ghale.

    Benjamin sempre me repassava as exodontias necessárias em seus tratamentos ortodônticos, que eram indicadas para entregar o melhor resultado final ao cliente. Essa sua boca cheia de dentes talvez tenha uma arcada muito pequena para comportá-los, e quando eles brigam por espaço, meu amigo... Fica aquela desgraça. Tudo apinhado, como passageiros disputando um lugar no trem ao fim do expediente, em horário de pico. Que romântico.

    Nesse caso, não adianta brigar é extração imediata. Entenda que o coração de todo bom dentista chora quando um dente saudável é retirado, mas não são raras as vezes em que não se vê outra solução. Se o profissional disse, acredite nele e siga a recomendação.

    Gab era um belo exemplo disso. Aos 16 anos, iniciando seu tratamento, precisaria livrar-se dos pré molares superiores se quisesse ter um sorriso de cinema. A parte boa era que ela não ofereceu resistência e se dispôs a realizar o procedimento logo, enchendo-nos de orgulho.

    A parte ruim era que ela estava acompanhada de uma amiga cheia de ousadia.

    A puberdade é uma fase realmente complicada. Antes que entrassem em meu consultório, quando ainda estava na recepção conferindo os encaixes, ouvi-a dizer que "ser bonito deve ser pré requisito para trabalhar nessa clínica". Eu bem concordava, mas se fosse fato, Benjamin não estaria no quadro de funcionários  brincadeira, preciso reconhecer que ele é muito bonito antes que me apedrejem.

    Porém, o show de libido não terminava aí.

      — Fica tranquila, não vai doer.  Disse, calçando luvas pretas de látex.  Vou usar umas poções mágicas pra cuidar disso.

    A exodontia, em si, não é dolorosa. Posso assegurar que a parte mais chata da execução era a anestesia infiltrativa, aplicada na região próxima ao dente em questão. No entanto, para aliviar essa sensação em pessoas mais sensíveis, costumo retirar uma carta da manga.

      — Tá vendo esse potinho aqui?  Apontei para a embalagem de plástico que estava sobre a bancada.  Anestésico em pomada, benzocaína. O nome lembra cocaína, mas juro que não é.

    Piadinhas ruins fazem parte do meu repertório, e se eu não soltar pelo menos uma, minha imunidade cai por conta do sofrimento. No dia em que eu for capaz de elaborar um bom trocadilho, me internem porque estou doente.

    Apesar de ter apontado para a embalagem, uma pequena quantidade do anestésico já se encontrava sobre uma gaze estéril, pronto para ser utilizado. Marina cuidava muito bem da instrumentação adequada, e havia organizado a bandeja numa rapidez absurda, sem esquecer qualquer detalhe que fosse. Além disso, também empregou toda a sua dedicação na preparação da paciente, cobrindo-a com um avental específico e posicionando o aspirador de saliva em sua boca. A partir dali, a responsabilidade era minha.

    Com os trajes corretos já vestidos, cobri a região inferior do rosto com a máscara cirúrgica e dei início à tortura. Gabriella não demonstrava seu nervosismo, claramente tentando parecer corajosa, mas ninguém tem culhões suficientes para agir com tanta frieza numa hora dessas. Eu sei que lá dentro, em seu interior, uma mocinha chorona se debatia e pedia por socorro. Como eu sei disso? Aulas práticas em dupla.

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