Kristine, 10.

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10:45 PM - Quarta-feira

"Querido diário,

O desgraçado do meu ex namorado arruinou minha noite, me obrigando a fugir para casa sem dar maiores explicações para o Aaron. Por culpa desse estorvo, terminei trancada no quarto com a cara fechada, e teria me afogado em desespero absoluto se não tivesse decidido comer a torta feita pelo Hayato  que é outro estrupício, mas cozinha tão bem que aqueceu meu coração.

Pra compensar o papelão de antes, aceitei passear com ele outra vez e fomos ao parque da cidade para alimentar patinhos. É engraçado como o Aaron não combina com interações fofas, ele fica parecendo um infrator que foi obrigado a prestar serviços comunitários em troca de sua liberdade, mas eu acho isso sensual. De qualquer forma, nos divertimos e voltei para casa em segurança, tendo que narrar todos os acontecimentos detalhadamente para a Casey. Ela quer muito que fiquemos juntos, acha que somos feitos um para o outro, mas eu não tenho cabeça pra isso não. Quero distância de homem.

Agora eu tô aqui, escrevendo enquanto dou rápidas olhadas na tela do notebook, mesmo sabendo que ninguém vai querer falar comigo nesse bendito jogo. Queria conversar com alguém que eu não conhecesse, que nunca fosse ver meu rosto, para poder falar sobre tudo sem medo das consequências. Não, eu não iria entrar em muitos detalhes, mas desabafaria o suficiente para voltar a respirar.

Pra completar, acabo de saber que o Hayato foi jantar com a namorada no El Cabrón (fez check-in no Facebook pra conectar no Wi-Fi, bleh), e só consigo pensar que eu não sou a única comidinha exótica que ele curte. Deus me livre pensar assim, mas no fim das contas, eu fui mesmo uma marmitinha pra ele. Lamentável.

Foda-se. Vou virar a noite nesse joguinho idiota, enquanto meu irmão e cunhada jogam na sala. Eu poderia estar lá, mas não tô no pique. Fica pra próxima.

Com amor e desilusão, Kris Mondego."

    Fechando o diário, dei várias goladas no meu chá de erva doce como se estivesse bebendo uma refrescante limonada, e quase quebrei a xícara em mil pedaços ao pousá-la sobre a escrivaninha. Eu sou o tipo de pessoa que, cansada de choramingar e sentir tristeza, transforma todas as insatisfações em uma raiva sem tamanho. Infelizmente, ainda que eu nutrisse um ódio ardente pelas situações que fui forçada a passar, sabia que jamais encontraria a coragem para tomar a atitude correta.

    Mil paredes seriam socadas, dezenas de folhas de caderno seriam rasgadas, mas minha boca continuaria fechada. Entendo que não se deve engolir e guardar para si coisas tão graves, sobretudo quando se tratam de agressões e perseguições, mas eu sentia que ninguém poderia me ajudar. Ele merecia ser punido, porém, de tanto escutar casos similares com finais ruins, convenci-me de que denunciá-lo para a polícia não resolveria nada e pioraria o meu quadro. Para ser sincera, eu estava encurralada. Se não fizesse nada ou se decidisse contar a alguém, estaria correndo o mesmíssimo risco simplesmente porque pessoas assim não desistem enquanto não conseguem tirar sua vida.

É importante ressaltar que, naquele ponto em particular, eu ainda não estava tão apavorada com suas tentativas de me assustar. É claro que sentia certo receio, e no exato momento em que era atacada sofria demasiadamente, mas quando o nervoso passava só me restava raiva. Talvez eu ainda não acreditasse que ele seria capaz de fazer mais algo, mesmo que tenha me dado provas suficientes do contrário.

    No entanto, ele não era a única fonte de problemas na qual eu estava me banhando. Ainda existia o samurai dos dentes e sua memória curta, que me causou as melhores e as piores sensações do mundo ao me usar como se fosse seu brinquedo. Logo eu, que não queria me envolver com desconhecidos por conta da ausência de sentimentos, tinha caído na lábia de alguém que não me amava da mesma maneira. O mais intrigante era que sua tentativa de me comprar com uma fatia de torta quase dera certo, e eu estava certa de que ele me conhecia tão bem que sabia onde apertar para conseguir o que queria.

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