Kristine, 9.

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    "O mal que fazemos é sempre mais triste do que o mal que nos fazem". Esta frase é de Jacinto Benavente y Martínez, um importante dramaturgo e crítico espanhol, mas poderia muito bem ser minha.

      — Eu te amo. Por favor, me ajuda...

    Os sussurros, inaudíveis, traduziam o desejo mais sincero do meu coração ao vê-lo partir tão devastado, sem sequer olhar para trás. Cada passo dado, em direção à saída, levava consigo um significativo pedaço de mim, até que não restasse mais nada. Somente o vazio.

    Ele não viu, e minha voz não proferiu, mas implorei mentalmente para que não me abandonasse. Senti que poderia enfrentar todo o sofrimento se o tivesse ao meu lado, e cheguei a cogitar um desabafo sobre todos os infortúnios vividos, só para que pudesse contar com alguém tão especial.

    A culpa foi minha.

    Fui eu quem menosprezou seu gesto de carinho, deixando de lado uma fatia deliciosa de torta, desprezando a decoração mais meiga que já vi. Fui eu quem elevou a voz, pronunciando palavras grosseiras como se ele não significasse nada para mim, ainda que ele fosse meu mundo. Fui eu quem deixou que ele atravessasse a porta sem hesitar, ao invés de segurar em seu pulso e pedir para que ficasse.

    Eu chorei.

    Desesperei-me por minutos a fio, abafando gritos agonizantes com uma almofada, sentindo-me o ser humano mais desprezível da face da Terra.

    Eu precisei.

    Minha alma ansiava para que eu corresse e o abraçasse, prometendo nunca mais magoá-lo, mas eu não podia. Precisava ser forte, e por mais que eu o amasse incondicionalmente, entendia que era obrigada a deixá-lo. Afinal de contas, eu só causei a ele o mesmo mal que causara a mim.

    Para falar a verdade, eu era um verdadeiro poço de fracassos.

    Jogos virtuais e Black Metal não apagariam as memórias das escolhas erradas que fiz, nem me dariam a chance de nunca tê-las feito. Seja magoando um grande amor ou fazendo uso de substâncias ilícitas, envolvendo-se com um desconhecido por uma noite, eu definitivamente estava começando a ficar craque em ferir meus princípios. Depois disso, aprendi que não poderia mais cuspir para cima ao jurar que nunca faria algo, pois, um dia, a gravidade se encarregaria de fazer o cuspe cair bem no meio da minha cara.

    E após tanto chorar, encarar a tela do notebook se tornou uma tarefa árdua e penosa, pois a ardência e incômodo tiravam todo o prazer da minha única fonte de distração. Soluços secos insistiam em saltar do meu diafragma, ao passo que a letargia começava a dominar cada centímetro do meu corpo, e manter-me naquela posição estava insuportável. A melancólica aura do meu quarto contribuía para os sentimentos negativos, e se eu decidisse colocar alguma música triste acabaria me enforcando. Deus me livre.

    Por tais razões, optei por abandonar meu posto e trocá-lo pelo calor de minha cama, repleta de travesseiros macios e aroma de amaciante. Esconder-me em seus cobertores certamente afastaria a sensação de medo, vergonha, tristeza e raiva que teimavam em me acompanhar, e eu sabia que logo me recuperaria do mais novo soco recebido no estômago, dado por mim mesma. Respire, Kristine, isso já vai passar...

    No entanto, quando estava finalmente próxima de alcançar um pouco de equilíbrio, ouvi meu celular vibrar na superfície do criado mudo. Tentei ignorá-lo, porque mensagens podem muito bem ser respondidas depois, mas uma fagulha de esperança havia sido acesa com este ruído. Se fosse uma tentativa de contato da parte dele, um esforço a mais de sua parte para me libertar, eu não o recusaria.

    Não vou mais guardar isso só para mim, eu vou deixar que me ampare, vou contar tudo o que tem me amargurado...

    Meu coração disparava dentro do peito, ansioso pela decisão tomada e a iminente liberdade que me seria concedida, e foi com este ânimo que estiquei meu braço para alcançar o celular. Acho que nunca torci tanto para ser atormentada por Hayato, nunca amei tanto sua curiosidade e inconveniência como neste instante, e, pela primeira vez, não quis afogá-lo por encher minha paciência. Minha redenção estava a caminho.

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