Residência dos Mondego - 3 anos depois
Sempre fui apaixonado pelo frio e pelo céu fechado. A morbidez e o aconchego causados pelo clima eram únicos, e eu tentava aproveitar o máximo em dias assim.
Com aproveitar o máximo, quis dizer relaxar muito após o trabalho, com direito a bacia de pipoca e filme de qualidade duvidosa na TV.
Meu dia fora intenso e exaustivo. Embora já estivesse acostumado com o ritmo na clínica, tive minha energia roubada pelas duas cirurgias de extração de siso e por uma frenectomia labial simples. Esta sensação me fez concluir que ou eu estava ficando velho ou só precisava de umas férias.
Não se engane, eu amo minha profissão e procuro sempre dar o meu melhor para cada paciente que entra em minha sala. Levantar cedo para trabalhar nunca fora um desafio, mas um prazer e motivo de alegria, pois era naquele local que eu recarregava minhas baterias.
No entanto, um descanso não fazia mal a ninguém...
Era quinta-feira, e nos dias úteis eu costumava dormir na casa dos Mondego.
Quando entrei para a faculdade, aluguei um apartamento com a ajuda de meus pais, e mesmo ele sendo incrível, não me livrava da terrível solidão diária. No quarto período de graduação conheci Marvin Mondego, aluno de Engenharia da mesma Universidade, e nos tornamos grandes amigos pois tínhamos muitos gostos e coisas em comum. Essa amizade se estendeu a todos da família, e quando seus pais precisaram se mudar, acabamos nos aproximando ainda mais. O resultado era que, agora, eu dormia quase todos os dias naquela casa e, até onde sei, minha presença não era um problema, já que eles diziam sentir minha falta quando não estava lá. Esperava que não fosse falsidade.
Nós só não morávamos definitivamente juntos porque existia Elena, minha namorada. Apesar de estarmos juntos há pequenos quatro meses, ela já planejava nosso casamento e nossa rotina futura. Eu nem preciso dizer que evitava esses assuntos com toda a minha alma, não é? Isto porque, além de considerar uma ideia muito apressada, não era com ela que desejava passar a vida.
Sem dúvidas, Elena era dona de uma beleza única e era uma excelente companheira, mas se isso bastasse eu estaria feliz. Não fui justo quando a pedi em namoro, ela não merecia estar com alguém que só procurava amenizar sua carência.
E essa carência era causada pela impossibilidade de estar com uma mulher em particular.
Poderia conhecer mil mulheres, me relacionar com quinhentas, que esse vazio não seria preenchido. Sei que parece um tanto dramático dizer algo assim, mas era como eu me sentia. Kristine era muito nova quando nos conhecemos, e flagrar-me pensando nela causava uma certa repulsa. Eu tinha 20 e ela 15, uma diferença de idades que, na época, tornava tudo muito inapropriado. Porém, em janeiro, quando completou seus 18, os sentimentos que eu vinha guardando insistiram em retornar, dessa vez mais insistentes.
Quando decidi que finalmente abriria o jogo, algo desagradável ocorreu.
Foi no fim da tarde de uma quinta-feira. O sol já estava se pondo e as ruas, quase vazias, eram preenchidas em tons de dourado. O expediente acabara alguns minutos mais cedo, ocasionando minha chegada prematura na casa dos Mondego.
Durante o serviço, neste dia, refleti excessivamente sobre a possibilidade de, finalmente, exteriorizar o que me consumia por um longo período. Pensei em elaborar uma estratégia para que nos encontrássemos durante a noite, quando Marvin dormia, para preparar um chocolate quente ou comer alguma besteira. Ali, contaria tudo durante algum momento de descontração que eu, evidentemente, criaria. Me sentia como um menino inexperiente e bobão planejando todo um contexto para me declarar para uma menina cinco anos mais nova. Patético, talvez.
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Red Wine
RomanceQuão condenável é ter vinte anos de idade e apaixonar-se pela irmã de seu melhor amigo, cinco anos mais nova? E quão torturante é ter de sufocar seus sentimentos por julgar ser improvável que alguém tão mais maduro se interesse por você? Dominados p...