Kristine, 2.

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Residência dos Mondego – atualidade, 07:00 A.M.

    Mais um dia, menos um dia...

    Tive a sorte de despertar naquela manhã com o suave canto dos pássaros no quintal, e não com o barulho estridente do despertador. O clima estava agradável e a claridade penetrava docemente em meu quarto através das janelas, acompanhada de uma brisa fresca. Era tudo tão poético que acabei me esquecendo de todos os problemas por minutos, como se a vida estivesse perfeita.

    Espreguicei-me sem pressa, convencida de que não olharia meu celular pelo menos até depois do café da manhã. O aroma de torradas com manteiga e café recém passado invadia meu quarto de forma convidativa, e as vozes vindas da cozinha não deixavam dúvidas de que todos estavam juntos, reunidos em volta da mesa. Todo aquele conjunto teve o efeito de um abraço apertado no meu coração, e eu decidi que aproveitaria a reunião, com corpo e alma.

    Levantei-me devagar, respirando fundo, e andei até o espelho que se encontrava ao lado da cama. Encarei minha imagem refletida com carinho, me sentindo linda como nunca, e percebi que todas as coisas que Nate criticava em mim, só me tornavam mais eu mesma. Desde quando meus piercings no septo e na aba do nariz deixavam minha aparência intimidadora? Eles combinavam tanto comigo... Em que mundo meus cabelos castanhos eram desinteressantes? E quem disse que o aspecto infantil de meu rosto era um problema? A autossabotagem precisaria terminar ali, de uma vez por todas.

    A felicidade era tamanha que não desperdicei tempo e resolvi descer, me limitando apenas a uma prévia visita ao banheiro. Enquanto descia as escadas, as vozes ficavam mais claras e pude constatar quais eram as pessoas que estavam presentes. Sorrindo cheia de expectativas, alcancei o último degrau com olhares de felicidade me observando.

    Os três pilares da casa, minhas fontes de felicidade e paz: Marvin, Mia e... Hayato.

    Estive muito ausente e distante de todos os três, o que me causou um mal imensurável. Doía em meu coração ser obrigada a dispensar a companhia de meu irmão para que não me visse chorar nem acumulasse mais problemas, pois não queria ser um fardo para ninguém. Era igualmente excruciante rejeitar o apoio e os conselhos de Mia, que sempre fora tão compreensiva e amiga.

    Mas era ainda mais cruel precisar ficar longe de quem eu amava verdadeiramente.

    O pior de tudo era que eu fazia isso pelos outros, e não por mim. Comecei a evitar Hayato por dois motivos, e um deles era muito consistente. Primeiramente, porque ele já não era mais um homem solteiro, Elena existia e eu a respeitava muito, mesmo odiando-a profundamente. Não queria causar ciúmes ou intrigas, nunca fui fã de atenção.

    O segundo motivo era invasivo, mas eu precisava admitir que não estava equivocado. Desde que nos vira interagir pela primeira vez, Nate inquietou-se com Hayato, e não fora sem razão. A princípio ele somente demonstrava certa insegurança com nossa relação, porém, com o tempo, algo inócuo transformou-se em delírio. Suas perguntas sobre nossa proximidade e as cobranças intermináveis eram exauríveis, então preferi reduzir nossa intimidade, chegando a ignorá-lo algumas vezes. Fazer isso era agonizante.

     Mesmo assim, após tê-lo jogado para escanteio diversas vezes, ignorando suas mensagens e sendo tão insensível, Hayato me olhava amavelmente, de pé ao lado do balcão da cozinha. E eu não conseguia olhar para mais nada.

      — Krissy!  Mia veio em minha direção, com os braços abertos, segurando uma torrada pela metade na mão.

    Senti seu caloroso abraço me envolver e sorri imediatamente. A sinceridade existente em seu afeto era contagiante, como uma brisa de cores num mundo acinzentado. Aliás, a cor mais evidente nela era rosada como algodão doce, pincelada em suas longas e sempre cheirosas madeixas. Ela fora, indubitavelmente, a melhor escolha que Marvin fizera em toda a sua vida, e ele era mestre nisso.

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