Red Wine

Hayato, 8.

Terça-Feira, 7:25 P.M.

    Se você já me acha o homem mais sensual do mundo, vai gozar litros quando constatar que sou um confeiteiro de mão cheia, mais talentoso que o próprio Buddy Valastro. Eu nasci para provar que limão e chocolate combinam sim, e a transformação desses ingredientes em creme fica magnífica quando despejada sobre uma camada crocante. Não tente fazer dietas ou emagrecer ao meu lado, pois preparar tortas excessivamente calóricas é um dos meus hobbies preferidos.

    Na TV, o episódio 15 da quarta temporada de Brooklyn Nine-nine se desenrolava e servia de pano de fundo para minha aventura culinária, temperando a iguaria com baldes de risadas orientais exageradas. Essa é uma das séries mais geniais do século 21, uma das únicas do gênero que me prendem e roubam gargalhadas facilmente, além de ser repleta de personagens apaixonantes. Eu sou fã do Hitchcock e do Scully.

    Marvin, que chegara do trabalho moído de cansaço, cochilava no sofá da sala largado e molenga, parecendo um polvo vestido com roupas sociais. Ele poderia relaxar o quanto quisesse, mas quando o relógio chegasse às dez, sua ordem de despejo seria devidamente entregue, com toda a simpatia que carrega um dono de pastelaria chinês. Tá bem, a piadinha do flango está liberadíssima, mesmo que japoneses não falem desse jeito - nós pronunciamos "furango".

    E foi assim, numa encantadora noite de terça-feira, que presenteei a humanidade com uma belíssima torta doce e cítrica, disposta num fabuloso pedestal de vidro. A receita havia sido consultada dias antes do final de semana, justamente quando Kristine decidira voltar para nós e tivera uma conversa relativamente séria comigo, onde tentei ser firme ao pedi-la que confiasse em mim para tudo. Talvez tenha surtido efeito na hora, mas os esforços desceram ralo abaixo por motivos ainda desconhecidos.

    Ao menos, o único pedido que fiz por mensagem, na noite anterior, fora atendido à contragosto. Fui respondido no meio da madrugada, às 3:48, horário em que a saliva já estava formando um rio em meu travesseiro, mas me senti leve ao acordar e ver sua réplica. 

    "Me avise quando estiver em segurança. Se cuida".

    "To bem".

    Simples, direta, seca. O que mais importava era que, mau humorada ou não, ela estava viva e segura. Não tocaram o berrante, mas o gado aqui veio correndo.

    Dessa forma, minha saga em busca da verdade começara agora, e a primeira tática seria posta em ação imediatamente. Este toquinho de gente não ficaria emburrada comigo, eu estava disposto a mover céus e terra para acalmar seus ânimos.

    Com cuidado, separei uma fatia generosa de torta e posicionei no canto de um prato de porcelana, decorando o espaço restante com o desenho de um coração feito em chocolate. A escolha da louça e da arte fora pensada previamente, pois eu tinha ciência do quanto ela se atentava e admirava detalhes bobos. Seu imenso perfeccionismo fez com que eu me preocupasse até com a estética daquele pedaço de sobremesa, como se não bastasse o sabor inigualável que ela ostentava em cada centímetro de sua existência.

    Separei, também, um garfo pequeno e dourado que usávamos somente em ocasiões especiais, deixando clara a minha intenção ao pousá-lo sobre o prato, e salpiquei raspas de limão sobre a superfície espelhada do doce. Pessoas também são conquistadas pelo estômago, e era neste lindo órgão que eu depositava minhas esperanças.

    Otsukaresama deshita, Yoshizawa Hayato! Obrigado pelo seu trabalho e empenho!

    Inflado em orgulho, segurei seu prato com as duas mãos e segui em direção ao quarto, subindo cada degrau da escada com cautela. Senti como se estivesse prestes a submeter meu prato à avaliação no Masterchef, dada a tensão que resolvera cruzar meu caminho, mas prossegui seguramente. Ela ficaria encantada com minha sensibilidade e consideração, maravilhada com o gesto dócil, e deixaria para trás as mágoas que causei inconscientemente. Na realidade, eu me agarrava à essa possibilidade por saber que, em seu lugar, eu agiria assim sem maiores empecilhos.