Kristine, 16.

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DOMINGO - 12:45


    Os minutos que sucederam àquele acontecimento são um grande mistério para mim, até hoje.

    Foi como ter levado uma pancada na cabeça, que me deixou com os pensamentos paralisados em um fundo branco, e com um forte zumbido gritando nos ouvidos. Todas as minhas peças sofreram graves avarias, minha alma abandonou o corpo, e eu quase podia ouvir meu cérebro reclamar da falta de oxigenação. Não me lembro nem mesmo de ter respirado.

    Seria necessário contratar um especialista em robótica para reconectar todos os meus fios nas placas certas novamente, pois os meus movimentos e diálogos saíram de forma tão involuntária, que só poderiam ser resultado de uma imensa pane elétrica. Além disso, não seria uma má ideia formatar meu sistema operacional, que sofreu com raciocínios e atitudes isentas de qualquer sentido.

    Uma devastação neuronal causada por um beijo importado do oriente.

    A situação estava tão preocupante que, após agradecer pela ajuda, eu tratei de juntar meus pertences e me despedir apressadamente, saindo pela porta tropeçando nos próprios pés. Ele não deve ter entendido nada, e certamente estava tão confuso quanto eu, porque suas últimas frases foram ditas no mais puro japonês. Até então eu não sabia que mata ne significava "até mais", e, por isso, minha única resposta foi um aceno de cabeça bem tímido, sem qualquer tipo de contato visual.

    Eu era mesmo uma covarde.

    Hayato me observou, recostado no batente, até que eu entrasse no elevador e pressionasse o botão do térreo sucessivamente, esperando que a porta fechasse mais rápido. E aí, quando a luz da portaria me atingiu e me trouxe de volta à realidade, eu recobrei minha consciência a ponto de me arrepender pela falta de tato. É claro que eu não podia me culpar por estar nervosa após ser intensamente beijada, porém, eu devia mais gratidão e sensibilidade com alguém que renunciou à sua formatura para cuidar de mim.

    Resolvo isso depois murmurei entre os dentes. Ainda tinha muitos anos de vida pela frente.

    Entretanto, enquanto eu deixava o prédio e seguia a passos largos pela calçada, senti a inquietação me abandonando lentamente, dando espaço a um êxtase indescritível. Os batimentos aceleraram, uma torrente de pensamentos atravessou minha mente, e, de repente, foi preciso reprimir um sorriso animado com a mão direita. Puta que pariu!  arregalei os olhos, ainda cobrindo a boca para que não achassem que eu era louca.  Isso não tá acontecendo comigo...

    Meu psicológico era incapaz de digerir tanta informação e felicidade num espaço tão curto de tempo. A sensação era a mesma de quando voltamos de uma viagem super empolgante, e sentimos a necessidade de gritar aos quatro ventos todas as novidades que acumulamos de uma vez só, porque é impossível guardar tanta alegria para si. Coitado de quem ouve, né? Mas paciência.

    E foi assim, surtando internamente no meio da rua, que eu concluí que era disso que eu precisava  disparar essas emoções em alguém. Eu era sim fechada em meu mundinho, guardava a maioria dos meus segredos por trás de muralhas colossais, me certificando de que ninguém jamais suspeitasse deles. No entanto, quando se tratavam de novidades alegres, que me faziam aproximar das pessoas que eu amo, não existia super cola que vedasse os meus lábios. E aquela era uma notícia feliz.

    Revelar para Mia seria bem menos problemático, já que ela sabia dos meus sentimentos, e me pouparia de confessar algo que eu escondia de todos. Entretanto, naquele horário, Marvin e ela ainda não haviam chegado de viagem, e meu corpo já estava formigando de ansiedade o suficiente para me fazer repensar nas opções disponíveis.

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