Capítulo 43

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- Imagino que, se tivesse perdido o filho dele, teria buscado seu conforto e não acharia que estava sendo castigada. Na verdade, está me castigando por não ser o homem que você queria. - disse Fernando, revoltado.

- Não! - gritou ela, cheia de dor.

- Não o quê? - rebateu ele, detestando a sensação de ter sido usado e descartado. Oferecer-lhe um divórcio como se o casamento não significasse nada! Sentia-se frustrado e propenso à ironia. - Não me mande flores? Não me jogue a verdade? Não devo tocar em você, porque seu corpo é o recipiente para um bebê que falhei em lhe dar?

Lara tapou os ouvidos.

- Pare!

Foi a atitude mais irritante que ela poderia ter tomado. Fernando sentiu a adrenalina explodir. Levantou-se tão bruscamente que a cadeira caiu no chão. Agarrou Lara, alojou-a no ombro e levou-a ao quarto, ignorando sua tentativa débil de desvencilhar-se.

- Lute o quanto quiser, mas vai me ouvir, Lara! - exclamou ele.

Ele a largou na cama, prendendo-a com o próprio corpo e segurou-lhe as mãos acima da cabeça com força.

- Trapaceira! - acusou, apreciando a expressão de choque dela.

- Não... - ela gemeu.

- Sim! Assumiu um compromisso para a vida inteira comigo e aí está, passando um calote em três meses! Já quer tirar a aliança e dar o fora!

Lara voltou a cabeça, protestando.

- Eu não disse isso! - exclamou ela.

- Não fui eu que mencionei divórcio, Lara.

- Eu só queria dizer...

- O quê? - indagou ele, indignado.

- Talvez eu não possa levar uma gravidez até o fim. Você queria uma família... - As lágrimas brotaram no rosto de Lara. - Por isso se casou comigo, não é mesmo Fernando?

- Eu não me casei com você por você. - afirmou ele.

- Por favor, não me force. - soluçou ela, tentando se desvencilhar. - Seria estupro, Fernando.

Estupro! Se ela tivesse lhe dado um soco, não teria doído mais. Mesmo assim, no instante seguinte, Fernando percebeu que estava excitado, o corpo reagindo à energia volátil que o assolava. Lara se contorcia, assustada com a ereção, tentando se proteger da luxúria dele, a luxúria que um dia ela afirmava ser mútua.
Fernando saiu de cima dela e rolou para o lado da cama, abatido, derrotado, despojado de qualquer desejo de lutar, horrorizado com a reação obtida. Lara encolheu-se, trêmula e soluçante.
Por um instante, ele se sentiu confuso, culpado, arrependido, envergonhado, banido. Não era um homem violento. Só queria conversar, e abominava o uso da força física. Para Lara ter medo dele, acusá-lo... Sentia ter atingido o fundo do poço.
Gradualmente, ele recuperou a razão e compreendeu que havia sido levado por um instinto de sobrevivência, algo natural naquelas circunstâncias. Havia lutado... e havia perdido. Lara não o queria mais. Para nada.
Percebeu que seu coração se desacelerava. Seu interesse pela vida havia se reduzido a zero. Mesmo assim, a vida continuava. Para ambos. Embora estivesse claro que seriam caminhos distintos.
Lara controlou o choro e continuou deitada, longe dele. A separação doía. Fernando imaginou se um dia não sentiria mais a dor. Lara não sabia... nunca saberia... nunca imaginaria o quanto o amor dele era grande. Fernando a amava, amava de uma forma que jamais havia imaginado. Sentia ciúme de seu passado, de suas dores... de sua indiferença.

- Eu não a teria tomado. Não com raiva. - declarou ele, fazendo justiça a si mesmo.

Nenhuma resposta de Lara.

Fernando pôs os pés no chão e levantou-se.

- Acho que prefere ficar sozinha.

Lara não disse nada. Não havia o que dizer.

Ele pegou uma bolsa de mão, separou objetos de uso pessoal e algumas camisas. Negando o último olhar à mulher com quem havia se casado com tanta fé num futuro juntos, saiu do quarto. Não suportava mais ficar perto dela. Lara representava o marco doloroso de algo que estava longe de seu alcance.

Na sala, pegou a chave e a carteira na mesinha do telefone. Já estava na porta quando lhe ocorreu que não seria uma boa idéia deixar Lara sozinha num estado, acreditava ele, traumático, embora mais parecesse um refúgio da realidade com a qual ela não sabia lidar. Afastou a idéia de que ela poderia ser suicida. Ele era o problema. Remova o problema, deixe-a sentir-se livre disso, e a pressão sobre ela diminuirá.
Mesmo assim... a preocupação levou-o a telefonar para Lia. As duas irmãs eram chegadas. Se alguém podia fazer algo por Lara, esse alguém era Lia.

Ela atendeu.

- É o Fernando. - Ele respirou fundo para aliviar a tensão no peito. - Por favor, ligue para Lara daqui meia hora, mais ou menos. Verifique se ela está bem...

- Por quê? Não está em casa? - perguntou Lia.

- Estou de saída, Lia. Ela não me quer aqui.

- Fernando, por favor... continue.

Fernando lembrou-se do pedido que ela havia feito ao dançarem na festa de casamento... Você vai lhe dar apoio... sempre?
Ele havia afirmado que sim, na cega confiança que carregava então. Lia devia saber do terreno inseguro em que ele havia pisado ao casar-se com Lara... devia saber e se preocupava com isso, desejando o melhor. Se o aborto não tivesse acontecido... mas havia acontecido... e o terreno havia cedido... irreparavelmente.

Continua...

E enfim, o amor...Onde histórias criam vida. Descubra agora