Capítulo 44

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- Não há porque continuar, Lia. - Fernando replicou com forte dor no peito.

- Você não pode... - Ela interrompeu-se, suspirando triste. - Lamento Fernando. Acho que isso já foi longe demais. Bem que tentei alertá-la disso tudo.

- Eu sei, Lia. Se puder verificar se ela...

- Sim, farei isso. Não se preocupe. E Fernando, se ajudar, acho que você é o melhor homem que ela poderia ter conseguido.

Ele sorriu triste.

- Mas não bom o bastante no que importava. Até, Lia. Manterei contato.
Desligou o telefone.

Ele deixou o apartamento e dirigiu o carro pela noite sem saber para onde ir. O futuro era uma incógnita... um espaço escuro... a esposa, a família que ele havia planejado, a casa... tudo havia se perdido. Nunca tinha se sentido tão perdido e só, nem mesmo quando o pai morreu.
Pensou no bebê que a natureza havia reclamado... o bebê dele e de Lara... talvez tão malformado quanto o casamento... embora ele fosse ser amado... já era amado... por ambos. Um sonho que não se realizou.
Mas havia sido apenas parte do sonho para ele. Havia adorado a proximidade extra que o bebê tinha lhe proporcionado com Lara... o brilho de felicidade no olhar, incluindo-o na aura de ternura, o afeto impulsivo que ela demonstrava quando ele fazia sugestões que a agradavam, o prazer que ela sentiu quando ele lhe enviou as orquídeas.
Chegou a acreditar que ela realmente o considerava especial... marido em todos os sentidos... que estavam construindo algo como o que seus pais haviam partilhado... um amor incondicional um pelo outro...
De repente, Fernando entendeu o que a mãe havia sentido com a morte de seu pai. A perda... a dor ... o sentimento de angústia. Não podia criticá-la por perder o interesse pela vida. Nunca tinha vivido tal experiência para entender a dor da mãe. Todos aqueles anos juntos... Ele só havia tido uma pequena mostra, mesmo assim...
Lágrimas brotaram e lhe borraram a visão. Homens não choram, convenceu-se, e piscou para dispersar as lágrimas. Conduziu o carro ao acostamento e freou. Precisava recuperar a compostura. De repente, pareceu não mais importar.
E chorou.
A dor continuou.

O telefone não parava de tocar. Lara finalmente estendeu a mão até o aparelho no criado-mudo e atendeu.

- Lara?

Ela suspirou. Era um esforço necessário para cessar o tormento.

- Lia, não quero conversar. Tomei calmante e gostaria de dormir. Por favor...

- Só um comprimido? - indagou a irmã, preocupada.

- Só. - ela confirmou, desanimada com a preocupação de Lia. - Boa noite.

Desligou o telefone e ajeitou-se na cama, de costas para o lado vazio, o lado de Fernando, determinada a bloquear qualquer pensamento. Queria... precisava... apagar por uma noite. No dia seguinte pensaria em tudo o que havia acontecido. Era difícil demais, confuso demais, terrível demais lidar com os fatos naquele momento.

Trapaceira!

Fechou os olhos com força e desejou que a palavra perturbadora parasse de ecoar em seu cérebro.

Trapaceira... Trapaceira... Trapaceira...

Não era verdade... não era! Tinha feito concessões em tudo. Até...
Simplesmente, Fernando não entendia o que significava para ela ter um bebê... como era devastador ver seu corpo rejeitar o que ela mais desejava. Não tinha nada a ver com Otávio. Nada!
Automaticamente, tateou o ventre. O espaço vazio doía. Não toleraria mais fazer sexo com Fernando, sentindo-o no lugar onde havia perdido o bebê. Não era justo da parte dele esperar isso dela... não era justo... A aliança não significava que ele podia tomá-la sem seu consentimento.

Trapaceira...

Não... não...

Não daria certo se não fosse mútuo. Pelo menos, Fernando havia percebido o fato e deixou-a sozinha, sozinha com o vazio que não suportava e não podia preencher.
Embalou-se angustiada, embalou-se para dormir, e entregou-se à inconsciência, flutuando em sonhos perturbadores, nos quais tudo o que buscava lhe escapava e se transformava em nada.
Então, um ruído forte começou, insistente, forçando-a a emergir do sono. Era dia. Fechou os olhos novamente. O dia seguinte havia chegado, e ainda não queria encará-lo.

Trapaceira...

Contorceu-se enquanto a palavra voltava a atormentá-la.

Continua...

E enfim, o amor...Onde histórias criam vida. Descubra agora