Capítulo 48

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Imerso em papéis, Fernando ouviu a porta do escritório se abrir. Rita trazendo-lhe um café, pensou, achando ótimo.
Aquela listagem de computador o deixava louco, era preciso muita concentração.
A porta se fechou. Atitude estranha para Rita. Não havia cheiro de café, tampouco. Ergueu o olhar e franziu a testa por ter o local de trabalho invadido sem que a secretária anunciasse.
Era Lara junto à porta.
O choque de vê-la onde não devia levou-o a questionar a visão e a sanidade por um segundo. Mas era ela mesma ali. Nenhuma lembrança ou alucinação reproduziria a pura vibração que vinha dela. Engoliu em seco. Lara... tão maravilhosamente bela quanto sempre foi, e parecendo muito viva, brilhando com a energia que parecia emanar de seu interior.
Ele sentiu um aperto no coração.
Aquela aura não podia se dever a ele. Outro assunto teria levado ela ali. Usava uniforme de comissária, estava indo ou chegando do trabalho. Uma visitinha. Trazia um volume embrulhado... uma caixa de flores? Não, isso não fazia sentido.
Fitou-a, os olhos castanhos, atentos, avaliando-o quase temerosa, insegura sobre ser bem-vinda. Ao mesmo tempo, havia determinação audaz na atitude ao fechar a porta, praticamente desafiando-o a dizer algo.
Afogado em sentimentos conflitantes, ele optou pelo silêncio como a melhor atitude. Que Lara falasse primeiro, já que só ela sabia o motivo da visita. Mas ela não se manifestou. Parecia nervosa, notava-se sua respiração acelerada.
Ela estava com medo da reação dele. Detestava aquilo. Ela não tinha motivo para temê-lo. Em absoluto. Nunca a violentaria. A simples idéia era repulsiva, e o obrigava a tomar uma atitude para relaxá-la.

- Você está muito bem, Lara. - elogiou, esboçando um leve sorriso irônico.

- Espero que não se incomode com a minha... minha intrusão.

Só não peça desculpas, pensou Fernando, sentindo que perderia a cabeça, se ela fizesse isso.

Ele deu de ombros.

- A escolha é sua. Lamento ter desrespeitado a sua escolha de me ignorar na nossa última noite juntos. Por favor, sinta-se à vontade para fazer ou dizer o que quiser, Lara. Não sou do tipo que molesta as pessoas.

Ela ruborizou a face.

- Sei que fui uma miserável cega e egoísta. - reconheceu, constrangida. Respirou fundo e acrescentou: - Principalmente após o aborto.

Fernando permaneceu imóvel, atônito com a declaração. Não sabia o que fazer nem como responder.

- Espero... espero que me perdoe, Fernando.

Fernando sentiu a esperança renascer com o pedido. Ela havia lhe procurado para dizer que queria continuar o casamento? Acautelou-se, controlando o impulso de lhe conceder tudo o que quisesse. Lara estava com problemas de consciência. Só isso. Precisava ficar em paz consigo mesma. Ver mais do que isso naquele pedido de perdão era pedir outra rejeição.

- Foi um momento estressante. Para nós dois. - analisou ele. - O que passou, passou, Lara. Não se preocupe por minha causa.

As palavras eram como o sino da morte. O que passou, passou... Era o que havia experimentado com Otávio. Se Fernando se sentisse da mesma forma, não tinha chance.
Mas com Otávio não havia sido amor de verdade, racionalizou. O amor de verdade não morria. Embora ela tivesse se empenhado em matá-lo, com certeza, podia ser ressuscitado. Fernando e ela ainda eram as mesmas pessoas.
Amava-o. Como não conseguiu enxergar isso antes? Ele estava ali à escrivaninha, no comando de seu mundo, emanando a força para assumir qualquer responsabilidade, o poder de tornar sua visão realidade. O caráter de um homem estampava-se no rosto, refletia-se nos olhos... firmeza, confiabilidade, força quando se tratava de sobrevivência, mas com a espontaneidade de ser gentil, de se importar com os outros.
Amava-o. Era tão másculo... a camisa justa nos ombros, as mangas arregaçadas revelando os braços fortes, as mãos sobre a mesa. Fitou-lhe a boca.

Lara desejou que Fernando a beijasse como só ele sabia, acendendo a paixão que conheciam e partilhavam, a possessão íntima um do outro, o calor intenso e a sensualidade deliciosa à qual ele sempre a conduzia. Aquilo não podia estar perdido. Não permitiria que se perdesse...

Continua...

E enfim, o amor...Onde histórias criam vida. Descubra agora