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Quando saí do banheiro depois de quase duas horas lá dentro, Camila já não estava mais na cama e a porta estava fechada. A página arrancada de seu muito provável novo diário tinha descido pelo ralo junto com a água que a banhou enquanto eu me perdia no meio do fervor das gotas quentes. Eu não sabia dizer se tinha ou não chorado, haviam muitos fluídos se movimentando no mesmo lugar. Camila estava decidida em ir embora. Ela queria sair daqui, do apartamento, da minha vida. Eu a compreendia, mas não entendia o motivo de tudo ser daquela forma. Por alguns segundos, me vi encarando o céu escuro e chuvoso através da janela do meu quarto como se estivesse esperando uma resposta do divino. Bom, se esse cara existe, ele me odeia.

Passei a noite bebendo na sala. Eu andava de um lado para o outro em meio as várias garrafas de diversas bebidas alcoólicas que virava. Peter parecia perdido com minha movimentação inquieta pela casa. Ele me olhava com as orelhinhas em pé todas as vezes que eu tomava um novo rumo, tentando compreender o que seu humano estava fazendo. Nem eu sabia o que estava fazendo. Por um momento, tive inveja da vida de cachorro de Peter, mas ao mesmo tempo tive pena. Ele não entendia nada, o que era um grande alívio para ele, mas quando Camila fosse embora ele ia pensar ter sido abandonado pela dona. Ficaríamos nós dois apaixonados e deixados por Camila Cabello. Puta merda, eu estava vivendo o inferno.
Encarei a mesa onde eu deixava as bebidas. Eu já tinha esvaziado duas de quatro garrafas de whisky e estava na metade da terceira. O que eu queria? Apagar? Me sentir bêbado o suficiente para esquecer que Camila havia esquecido? Eu esperava dormir bêbado e acordar com tudo de volta ao normal? Eu estava maluco. Nada ia me fazer esquecer aquilo, nada me faria esquecer os últimos dias e o último mês, nada apagará aquelas palavras da minha cabeça. Arremessei a garrafa contra a parede, o som alto fez o pequeno cachorro correr desesperado para cima. Me joguei no sofá no canto da parede e apoiei os cotovelos nos joelhos, enterrando meu rosto nas mãos em uma respiração pesada. Eu não conseguia chorar. Por que? Além de triste, eu estava com raiva e isso estava me consumindo aos poucos. Eu estava surtando. Repsirei fundo algumas vezes e tirei minha camisa, sentia meu corpo esquentar aos poucos. Me deitei no sofá cinza em que estava sentado e fechei os olhos, apoiando as duas mãos no peito enquanto me concentrava em controlar minha respiração. Em pouco mais de quinze minutos, o sono finalmente conseguiu me atingir. Naquela noite eu com certeza consegui dormir bem mais de oito horas.

Quando acordei, minha cabeça parecia a ponto de explodir. A luminosidade que entrava pela grande parede de vidro parecia me cegar antes mesmo de eu abrir os olhos, coisa que eu não queria fazer tão cedo. Girei no que eu pensava ser minha cama e acabei descobrindo a verdade da forma mais dura, me espatifei no chão. Acho que o movimento brusco acabou assustando a Peter, já que seus latidos estouraram como uma bomba, eu queria gritar. Me levantei com algum esforço e me sentei, passando as mãos pelo rosto antes de finalmente abrir os olhos. Camila estava atrás do balcão da cozinha com uma caneca vermelha mas mãos, a minha caneca. Ela não me olhava diferente de todas as vezes, tinha o mesmo sentimento de pena em seu olhar. Pela primeira vez desde o dia em que ela havia voltado, Cabello não desviou o olhar do meu, muito pelo contrário. Continuou me encarando, fundo e pesado, tão pesado que fui eu quem desviei o olhar. Com algum esforço me coloquei de pé e toquei minhas costas, sentindo a região dolorida pelo lugar nada confortável em que havia dormido. Eu estava perto das escadas quando ouvi o som de algo se arrastando pelo balcão. Uma garrafa d'água e uma cartela de tylenol. Camila já estava de costas quando me aproximei e tomei três comprimidos de uma vez, suspirando pesado antes de voltar ao meu trajeto ao andar de cima. Eu precisava de um banho.

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A cada palavra que saía da boca de Brian, eu queria sair correndo. Minha dor de cabeça não havia sido resolvida com três comprimidos, um bocado de água e um banho gelado, quem me dera. Cá estava ela me atormentando às três da tarde. Talvez eu devia ter seguido o conselho de Taylor e tirado o dia de folga, mas uma reunião simples com meu melhor amigo não me parecia ser uma grande luta. Brian era quem cuidava do departamento de marketing da editora, então uma reunião com ele se baseava a ver coisas e não a ouvir. O cara era brilhante, suas ideias ficavam a cada dia mais interessantes e atraentes, mas hoje o ruivo quase careca estava falando demais para o meu gosto e o meu humor. Eu só queria socá-lo até que calasse a boca.
Passei as mãos pelos cabelos pela milésima vez e fechei os olhos, soltando um longo suspiro que fez meu amigo finalmente se calar. Brian me encarou por algum tempo e percebeu que toda sua falação nos últimos vinte minutos havia sido completamente em vão. Meu amigo suspirou e fechou o notebook, guardando o mesmo em sua bolsa antes de se virar para mim novamente.

WAITING • shawmilaOnde histórias criam vida. Descubra agora