62º Capítulo - Clara

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_ Agora? – exclamei incrédula, mas ninguém me deu atenção. Na verdade, ninguém sequer me ouviu...

Minha voz pareceu ser tragada por um vértice, sumindo por detrás de um tilintar ensurdecedor. Levei as mãos aos ouvidos instantaneamente e fechei os olhos. A aljava de flechas pesava como chumbo em minhas costas.

Reação inesperada ao início da batalha... Esperava que qualquer coisa acontecesse, menos isso. Não conseguia controlar meus próprios movimentos e algo fazia-me querer sumir, a sensação de que não gostaria de abrir os olhos. A sensação de que tudo daria errado...

Respirei fundo.

De repente, algo me fez perder o chão. Um sussurro quase inaudível soou atrás de mim:

_ Vó... Ajude-me...

Arquejei e instantaneamente ergui minhas pálpebras. Demorei a me acostumar com a estranha luminosidade a meu redor, mas, segundos mais tarde, enxerguei o que temia: mamãe parada a minha frente com os olhos bem fechados e as mãos tapando os ouvidos, semelhante a mim momentos antes.

_ Por favor... – a ouvi uma última vez antes de, subitamente, abrir os olhos.

Quando me encarou, perdeu a cor.

_ M-mãe? – gaguejei.

Ela piscou e desviou seu olhar, focalizando o espaço ao redor. Só então parei para pensar que estávamos estagnadas bem no meio de uma luta. Num sobressalto, segui-a e visualizei o campo de batalha.

Tudo estava lento.

Engoli em seco.

Ao longe, no fundo de minha mente, ouvi o sussurrar de uma voz metálica: "Eu não vou abandonar você..."

_ O dom... - mamãe murmurou, tirando as palavras de minha boca.

Assenti, completamente perdida. Então seria eu contra ela?

Senti a espada pesar em meu cinto. O arco em minhas mãos parecia não fazer mais sentido. O que estava fazendo ali?

Suspirei profundamente. Mamãe me encarou. Tristeza transbordava de seu semblante. Parecia na iminência de perguntar o que faríamos.

Neste instante, uma certeza invadiu meu íntimo: minha mãe nunca me abandonou. Nunca me condenou ou se colocou contra mim... Pelo contrário. Ela só fez o que outros pediram.

Larguei o arco. Tirei a espada do cinto e soltei-a no chão, assim como fiz com a aljava de flechas.

Mantive os olhos fixos em mamãe, que observava a cada movimento meu de forma rígida.

Pelo canto do olho, notei que a atmosfera da batalha estava enevoada, mas a nosso redor não. Era como se uma bolha protegesse a nós duas. Estranho...

"Aproveite o momento, Clara..." Soou novamente a voz metálica em minha mente.

Sem pensar duas vezes, dei um passo à frente completamente desarmada e envolvi os braços pelo pescoço de mamãe. Fui retribuída de imediato. Ela também largou sua espada e entregou-se ao momento. 

O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)Onde histórias criam vida. Descubra agora