91º Capítulo - Clara

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_ Como está sua mãe? – perguntou Heitor, tocando minhas mãos carinhosamente. Estávamos na praça.

_ Bem. Tendo muitos enjoos e pressão baixa, mas o médico que você indicou está fazendo um ótimo trabalho, explicando a situação e mantendo tudo sob controle. – respondi, encarando-o.

Passaram-se três semanas desde a confirmação da gravidez de minha mãe e, desde então, falava com Heitor quase todos os dias nem que por alguns minutos. Fazia o relatório completo sobre o dia, o bebê, a alimentação que estávamos oferecendo à mamãe... No início julguei ser apenas interesse na gravidez complicada que tínhamos que lidar em casa, mas, quando o rapaz começou a me chamar para sair, entendi que o interesse era em mim.

Meus pais adoraram a ideia e viviam dando força para o início de um relacionamento sério, mas a verdade é que eu não queria isso.

_ Clara? – chamou ele.

Preguiçosamente, direcionei meus olhos a encontrarem os dele e, quando isso aconteceu, gelei. Sua expressão era séria.

_ Sim?

_ Por que a vejo tão confusa?

Mordi o lábio.

Usá-lo? Fingir amá-lo para abrandar a perda de meu verdadeiro amor? Não parecia justo e muito menos certo. Não queria fazê-lo sofrer.

_ Confusa? – repeti.

_ Você ama outra pessoa? – sussurrou, indo direto ao ponto chave da questão.

Baixei os olhos.

_ Ainda vou te contar a história completa, Heitor, mas o que interessa agora é que esta outra pessoa em que amava não está mais neste mundo. – minha voz soou fraca e dolorida, quase como um choro sufocado por dias a fio. – Ele... Ele morreu.

Ouvi um ruído de exclamação seguido por um silêncio mordaz.

Uma lágrima escapou a contragosto de mim, mas o rapaz à minha frente foi rápido e secou-a antes mesmo de que chegasse ao fim de meu rosto e saltasse rumo ao chão.

_ Deixa eu te ajudar? – pediu baixinho. – Deixa eu ser o remédio que vai cicatrizar esta ferida ainda aberta?

Sorri fracamente. Este era o tipo de ferida que jamais se curaria, jamais cicatrizaria, e eu teria que conviver com ela para sempre. No máximo poderia esquecer, mas com certeza voltaria a lembrar em uma daquelas noites solitárias, assombradas por memórias ocultadas pelo tempo para minha própria sobrevivência.

Era óbvio: seria acompanhada por toda a minha vida pelas sombras deste amor interrompido bruscamente, e nem mesmo outro amor seria capaz de mudar isso. Tinha completa consciência.

Entretanto, nem por isso seria infeliz. Vai doer, eu sei... Como um corte profundo no peito, ou uma lança que atravessa a alma. Mas iria sobreviver! Por ele... Eu teria que tentar.

_ Não quero prender você a um amor talvez incompleto, insuficiente e...

_ Mas eu quero me prender. Ainda que incompleto, parece tão lindo e já me faz tão feliz... – interrompeu-me Heitor. – Clara, prometo não tentar tomar o lugar deste amor que se foi. Sei que arrumará um lugar a mais para mim aí dentro... – apontou para meu peito sorrindo. – Eu não ocupo muito espaço. Deixe este doutor estancar o sangue que escorre da sua alma... Tomarei conta de tudo, eu juro!

Não consegui conter o sorriso. Minha pulsação acelerou e um calor repentino invadiu meu corpo. A razão clamava para que dissesse logo "sim", e eu estava quase dizendo, mas me detive.

_ Não farei mal à você? – perguntei, fitando-o.

_ Seu problema não é contagioso, então não apresenta nenhum risco. – com ternura, piscou e, em seguida, tomou minhas mãos entre as suas. – Clara, você quer namorar comigo?

Senti as bochechas corarem imediatamente. Respirei fundo e me controlei. Era agora...

_ Sim. – respondi.

O rosto de Heitor se iluminou e, instantaneamente, ele sorriu.

Eu tinha que tentar...

Envolvi meus braços por seu pescoço e aproximei meus lábios dos dele. Sua pele morena parecia vibrar de ansiedade. Seus olhos, munidos de um castanho escuro maravilhoso, brilhavam.

Lentamente, deixei-me levar e me entreguei ao beijo. Era oficial. Estava namorando alguém que não era Jake, porque Jake havia definitivamente partido.

Um arrepio percorreu minha alma quando me afastei.

Eu tinha que tentar! Prometi a ele... Então sim. Faria isso. A pedido dele e para ele, ao menos até nos encontrarmos novamente, para enfim vivermos esse amor.

O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)Onde histórias criam vida. Descubra agora