70º Capítulo - Clara

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Já amanhecia e, por mais que tentasse, não conseguia relaxar. Minha mente pairava perdida enquanto, recostada à cabeceira de minha cama, observava mamãe dormir.

Sua expressão era leve e tranquila, quase me causava sono e vontade de cochilar também. Só não o fazia por medo de fechar os olhos e, sem querer, abri-los apenas daqui alguns meses...

A verdade era essa. Não tinha mais controle sobre meu próprio corpo. E se, de um leve cochilo, passasse ao sono da morte?

Estremeci. Deus me livre...

E pensar que tudo isso aconteceu graças a mim e minha peculiar rebeldia. Pra que fui trocar de lado?

_ O que eu fiz?! – sussurrei em voz alta, sentindo uma lágrima escapar de meus olhos.

Minha cabeça girou. Flashes de memória...

"_ O que eu fiz?! – sussurrei por entre soluços."

_ Ah! Não... Droga! – praguejei.

"Desviei o olhar e encontrei mamãe abraçada fortemente a meu pai, chorando tanto quanto eu."

_ Para! – ordenei. – Mãe?

"Tremores irromperam em minha pele."

_ Mãe! – chamei com urgência, sacudindo a cabeça. Ela acordou.

" O corpo de Jake parecia pesar uma tonelada em meus braços."

_ Filha? – perguntou ela, sonolenta, mas ao notar meu estado enlouquecido e meu olhar suplicante, deu um pulo da cadeira e correu em minha direção. – Clara! O que...

_ Memórias! – a interrompei, agressiva. – Lembranças que não me deixam em paz!

Meu choro já havia começado e saía em soluços dolorosos por meus lábios.

Aquilo era tortura!

_ Mãe... – sussurrei, abrindo os braços a espera de um abraço. – Me ajude, por favor...

Ela não tardou em se aproximar. Rapidamente envolveu seus braços por meu corpo e acalentou-me em seu colo.

_ Ah! Meu anjo... – sussurrou de forma abafada, o rosto escondido por entre meus cabelos.

_ Eu queria esquecer... – desabafei.

_ Esquecer o que, meu amor? – perguntou docemente, segurando meu queixo, forçando-me a encará-la.

_ Tudo! – assumi. – Tudo desde que enlouqueci...

_ Mas há algo em especial que queira não se lembrar, estou certa?

Assenti, fechando os olhos e baixando o rosto.

_ Não devia ter matado J... Ja... – engasguei. Até hoje, ainda não tinha dito isso em voz alta.

Aquela afirmação doía mais que tudo...

_ É isso que tanto te aflige? – questionou, incerta.

_ Sim... E-eu... Eu matei... – gaguejei. Aquilo estava me sufocando!

Precisava falar. Respirei fundo, enchi os pulmões de ar e sussurrei:

_ Eu matei o amor da minha vida...

Dor explodiu em meu peito. Um arrepio percorreu meu corpo e eu corei.

_ Então é isso que vem te mantando por dentro? – inferiu mamãe em tom de voz áspero.

_ Sim. – afirmei, afastando-me lentamente. Não havia gostado de suas palavras.

_ Clara, você não devia ter gostado tanto deste rapaz... – algo em seus olhos estava diferente. Ela estendeu a mão para tocar meu braço, mas me esquivei. – E não digo isso pelo fato de Jake ser seu tio...

_ Diz isso porque então? – exclamei enfurecida, o tom de voz mais raivoso que o esperado.

_ Ah! Clara... Acontece que quando eu era jovem, Jake tentou me levar ao Caos como fez com você... Alegou até estar apaixonado por mim, mas... Seu pai me salvou e...

_ Pare. – ordenei. Sentia as bochechas queimarem.

_ Só estou dizendo que talvez você tenha sido iludida e...

_ Pare de falar! – exclamei, tapando os ouvidos.

_ Não aja como criança, Clara! Só estou falando a verdad...

_ CALE A BOCA! – berrei, ficando de pé. – Eu não quero saber, não quero! Deixe-me em paz! Eu... Eu...

Mamãe me encarou, estagnada.

_ Não grite comigo, menina! – ordenou.

_ Apenas saia daqui. – pedi em voz baixa, caminhando rumo a janela, dando as costas para ela.

Depois disso, não ouvi mais nada. Apenas meus próprios soluços ecoando pelo quarto.

O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)Onde histórias criam vida. Descubra agora