87º Capítulo - Clara

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_ Esse susto foi apenas resultado da fraqueza que Lucy já estava sentindo antes de se levantar. – explicou uma jovem mulher trajando um jaleco perfeitamente branco, luvas e uma toquinha, a doutora do pronto-socorro do parque. – Pelo que disseram, ela não havia se alimentado bem pela manhã e ainda vomitou antes do horário de almoço.

Estávamos todos ao redor do leito em que mamãe fora acomodada, enquanto ela parecia dormir profundamente. De seu braço saía um longo cano conectado a uma bolsa de soro, pendurada cuidadosamente na cabeceira da cama.

_ Na verdade, minha esposa está reclamando de enjoos e tonturas há dias. – murmurou papai encarando a moça. – Será que poderíamos ir lá fora conversar um pouco?

Droga! Praguejei mentalmente. Só porque eu queria escutar.

_ É claro! – afirmou a médica, sorrindo. – Sua filha pode ficar com a paciente?

Papai me encarou, aguardando a confirmação.

Contra minha real vontade, balancei a cabeça em sinal positivo.

_ Obrigada, filha. – agradeceu ele, dando-me às costas. – Voltamos já.

Assenti, mas, quando estava sozinha no quarto, xinguei alto.

_ Porcaria!

Ouvi cochichos do lado de fora e, imediatamente, me aproximei da porta com os olhos fixos na maçaneta.

_ ... gravidez? – escutei a doutora perguntar em uma fala abafada, em que só consegui ouvir uma palavra.

_ Não... Enjoos, um desmaio por... Cerca de um mês... – estava sendo difícil entender todas as palavras, mas já dava para deduzir o rumo da conversa.

Como eu, a doutora chutou que mamãe está grávida, porém papai, ciente da história de nossa família, descartou a possibilidade. Entretanto, preocupado, ele está listando todos os sintomas que sua mulher vem apresentando.

Suspirei baixinho. O que mamãe tinha?

De repente, ouvi um passo e a voz da doutora aumentou. Ela estava se aproximando da porta.

Afastei-me levemente, mas forcei os ouvidos.

_ Independente de ser gravidez ou não, precisam procurar um médico o mais rápido possível. – a mulher parecia verdadeiramente preocupada. – Mas por hoje ela está bem e pode ir direto para casa – a maçaneta girou. Corri para perto da cama de mamãe. -, ficar em repouso até ser melhor examinada.

Eu estava com os olhos fixos nos dois que acabavam de entrar no quarto.

_ Repouso? – repentinamente, ouvi mamãe exclamar. Dei um pulo no lugar.

_ Ai, que susto! – reclamei.

_ Sim, repouso. – afirmou papai seguindo em sua direção. – Meia hora de soro e você está liberada para irmos para casa. Assim que chegarmos, vou ligar para o hospital e agendar uma consulta urgente.

_ Até lá, terá que ficar deitada e fazer o menor nível de esforço possível – completou a doutora. -, já que ainda não sabemos o que você tem.

Mamãe respirou fundo, prestes a protestar, mas eu a interrompi:

_ Nem adianta teimar. São ordens médicas.

Papai assentiu.

_ Está bem. – cedeu ela revirando os olhos. – Direto para casa e aí, cama.

×××

Meus pais estavam quietos nos bancos da frente. Mamãe mantinha o olhar fixo à janela, enquanto papai dirigia atento a estrada. Eu corria os olhos incessantemente de um para o outro.

Umas três vezes, esbarrava meu olhar com o de meu pai pelo retrovisor, e então via-o abrir um sorriso amarelo para mim. Já para mamãe ele nem arriscava olhar.

Ela estava pálida feito uma vela e respirava fundo a todo o momento. Seus olhos fechavam-se por alguns segundos e depois abriam de novo. Suas mãos estavam agarradas à poltrona do carro com tanta força e aparente desespero que o nó de seus dedos estavam brancos.

_ Mãe... – chamei. – Está tudo bem?

Ela não me respondeu.

Encarei papai pelo retrovisor e depois lancei um olhar através do vidro. Já estávamos em New York. Na verdade, seriam necessários apenas mais alguns minutos até que chegássemos em casa.

Graças a Deus... Pensei.

De repente, pelo canto do olho, vi mamãe morder os lábios. Suor escorria de sua testa.

Assustada, ordenei:

_ Pai, para o pronto-socorro.

Ele olhou para trás, firmando a direção.

_ O quê?

Mamãe arquejou.

_ Vai! – exclamei.

De forma ensandecida, papai pisou fundo no acelerador e seguiu rumo a nosso novo destino.

Mamãe se contorcia e, agora, lutava para arrancar o cinto de segurança que a prendia ao acento.

_ Ícaro... – sussurrou ela.

_ Aguente firme! – pediu papai com a voz trêmula enquanto ultrapassava um sinal vermelho.

_ Argh! Ícaro! – exclamou mais alto, com a voz embebida em dor.

_ Pai! – exclamei também, assustada.

_ PARE O CARRO! – berrou mamãe.

Imediatamente, papai pisou no freio e a porta se abriu. Minha mãe desceu do carro e correu para a calçada, recostando-se ao muro de um prédio.

Em choque, descemos do carro também e seguimos a seu encontro.

Observei a rua e notei que duas quadras à frente ficava o pronto-socorro.

_ Estamos perto. – afirmei.

Papai assentiu, chegando até mamãe.

Os carros da rua buzinavam feito loucos, desviando de nós e de nosso veículo estagnado em meio a tudo. Berravam injúrias e seguiam seus caminhos, como se nada estivesse acontecendo.

As pessoas passavam por nós, indiferentes. Encaravam, franziam a testa e iam embora. Enquanto eu e meu pai quase tínhamos um troço.

Quando parei frente a frente com minha mãe, encarei-a. Sua boca estava contraída, lágrimas escorriam por suas bochechas e sua respiração era ofegante.

_ O que está sentindo? – perguntou papai em desespero.

Sem dizer uma palavra, de repente, ela parou. Parou de respirar, de se mexer, de me encarar. Lentamente baixou os olhos e observou as próprias pernas.

Confusa, segui seu olhar e, naquele instante, enxerguei o problema. Sua bermuda, antes completamente branca, começava a tingir-se estranhamente em um tom vermelho na altura da virilha.

Segurei um grito.

Pelo amor de Deus, o que estava acontecendo?

Quando notou o X da questão, papai tomou mamãe nos braços e ergueu-a do chão. Largando tudo para trás, inclusive a mim, correu feito um louco em direção ao pronto-socorro.

Sem nem pensar no carro, segui ensandecida atrás dele. 

O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)Onde histórias criam vida. Descubra agora