Capítulo 23

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Shawn

      Devo confessar que a princesa me surpreendeu. Quando vi quem seria meu oponente, praticamente revirei os olhos e implorei internamente para que não fosse ela, mas seus golpes tinham força e suas defesas eram resistentes. O rosto dela expressava raiva a cada passo dado e movimento feito, ou ela queria muito cravar aquela espada no meu peito, ou algo tinha acontecido. Sinceramente, acho que um pouco dos dois.
Eu sabia que e ela não estava nem um pouco feliz desde o dia que nos conhecemos, no começo achei que fosse o casamento, algo que claramente não agrada nenhum de nós, mas talvez fosse aquela empregada na minha cama. Mas isso significaria que ela estava com ciúmes, certo? O que não teria motivos para acontecer, a menos que...
Por um segundo, me preocupei e me vi vulnerável, porém foi tempo o suficiente para ela me derrubar. De novo.

— Está distraído. –ela diz baixo, recuando para que eu me levantasse, e foi o que eu fiz.

— Você me deixa assim. –respondi em um tom cafajeste com um sorriso de canto que a fez revirar os olhos, e ataquei novamente.

      Os ruídos das nossas lâminas uma contra a outra eram mais altos do que de meros soldados, e, olhando de relance, Riddick parecia estar se divertindo conosco. Dois jovens, noivos, discutindo e descontando sentimentos um na armadura do outro. E cá entre nós, as duas armaduras já estavam bem arranhadas. Não sabia quanto tempo estávamos lutando, mas ninguém havia machucado ninguém ainda.
Estava começando a suar, senti isso quando as pontas dos cachos em meu cabelo começaram a grudar leve e minimamente na minha testa, e eu notei que ela estava começando a cansar, porque não parecia tão enérgica quanto quando começamos.

— Está cansado? –diz olhando para a minha testa ao escorrer uma gota pelo meu rosto, essa menina é rápida.

— Nem um pouco. –me esquivei, estava começando a entender seus golpes.– Você tem força, Ariana, mas não tem disciplina. Seus golpes são previsíveis.

— E os seus são como os de uma criança que mal consegue vestir a armadura. –respondeu vindo para cima de mim novamente, passando o metal perto demais da minha pele, o que me custou um arranhão no osso acima da minha bochecha.

      Gemi em ardor, tocando as pontas dos dedos em meu rosto. Não era fundo, mas sangrava. Olhei para a mulher, que sorria parecendo satisfeita, e então soltei um pouco os braços, relaxando os meus músculos antes de voltar para a postura de ataque.

— Estou pegando leve com você, princesa. –avisei, correndo em direção à ela, forçando minha espada em frente ao seu rosto, por cima da dela que a defendia.

— Estou vendo. –diz me empurrando para longe e voltando a atacar.

      Ela tentou pisar no meu pé e me dar uma cotovelada, eram golpes que aprendíamos para atrapalharmos o oponente e ganharmos tempo, mas foi em vão porque eu desviei do pisão e, em um giro, fui pra trás dela, segurando sua cabeça com uma das mãos e colocando a minha lâmina em seu pescoço com a outra.

— Um rei sábio nunca almeja a guerra. –falei um pouco ofegante, mas em um tom severo e agressivo.

— Mas deve estar sempre pronto para ela. –diz a princesa, que morde minha mão, me fazendo soltá-la junto com a minha espada, e então me empurra, me fazendo cair no chão.

Derrubei ela da mesma forma que ela me derrubou na primeira vez, com uma rasteira em suas pernas, e enfim me coloquei por cima dela, pisando em seu braço para que largasse a sua lâmina e em seguida me agachei, pressionando meu braço contra o pescoço dela, com mais força aquilo a mataria asfixiada.

— Morta de novo. –falei com um sorriso de canto no rosto, agora eu estava satisfeito.

Ela encarou meus olhos por alguns instantes, agora eu conseguia vê-los de perto com muitos detalhes. Eram lindos. Seus cílios eram longos, suas sobrancelhas bem feitas e o tom era um castanho caramelado. Ela é linda.
      Então me surpreendi quando a princesa simplesmente me puxou e me beijou, algo rápido, eu retribui sem entender. Seus lábios eram tão macios quanto aparentavam ser, e sua língua tinha um toque quente e suave. Se essa mulher não fosse tão agressiva, eu diria que ela é um anjo completo. Mas quando nós afastamos, ela tinha uma faca no meu ponto de pulso, pronta para rasgá-lo.

— Morto também. –falou sorrindo, me fazendo sorrir de volta, e concordar em rendição. Me levantei novamente e estendi a minha mão, ela a segurou e tomou impulso para ficar de pé.

— Justo. –falei juntando minha espada e guardando-na em meu cinturão.

      Ouvimos palmas lentas atrás de nós, Riddick se aproximava com um rosto totalmente serio. Parecia o gif do Heath Ledger de coringa. Olhei para Ariana, mas ela parecia acostumada, estava com a postura ereta e os braços atrás do corpo.

— Parabéns, lutaram tão bem quanto os meus dois piores recrutas. –disse o comandante, cruzando seus braços em frente ao peito.

       Certamente me ofendi, mas notei que a princesa não, porque eu ouvi ela soltando uma risadinha baixa.

— Estão dispensados. Vi o bastante por hoje, quero que melhorem essas estratégias e voltem na quinta feira quando o sol nascer para começarem a treinar como soldados de verdade.

      O tom dele era realmente grosso, com uma mistura de "eu não me importo" e "vocês são insignificantes." Em meu reino, os comandantes não me tratavam assim quando eu treinava, mas suponho que tratem assim seus soldados. Não pude deixar de notar que Ariana ainda tinha um sorrisinho no rosto e que quando se virou para ir embora, ele piscou para ela, fazendo-a sorrir.

— Vocês são amigos?

— Quase isso. –ela respondeu indo para onde guardavam as armaduras. A princesa se sentou sem nenhuma classe, e tirou todo o peso de seu corpo, contido naquela vestimenta de ferro. Depois a pendurou e soltou os cabelos para poder ajeitá-lo e prendê-los novamente.

     Me sentei ao seu lado e fiz o mesmo, tirando a parte do cabelo, que no meu caso só passei a mão para tirar os cachos caídos da minha testa.

— Fala a verdade, estava louca para me beijar. –brinquei dando um empurrãozinho no ombro dela, que riu sarcastica.

— Claro, não me viu comendo os seus lábios com os olhos enquanto cortava o seu rosto?

— Estava ocupado demais te derrubando. –fiz ela rir sincera. Ponto pra mim.

— Somos noivos. Uma hora ia acontecer. E tem momento melhor do que entre a vida e a morte?

      Sorri para ela e quando terminamos de guardar tudo, voltamos juntos para o castelo. O campo não era tão longe assim, mas também não era perto, então seu tempo para conversarmos. Os primeiros instantes da caminhada foram ocupados por um silêncio ensurdecedor, a princesa parecia perdida em seus pensamentos, contudo logo iniciou uma conversa me perguntando como eram as coisas no Canadá, e devido às perguntas, não acho que ela costuma sair daqui.

— Apenas para cavalgar. –interrompe meu pensamento.

— Hm?

— Está se perguntando se alguma vez eu já saí da Suíça e a resposta é não. Meu pai não deixa eu sair desde que a minha mãe morreu, ele acha que por aqui pode ficar de olho ou me socorrer mais facilmente caso algo aconteça.

— Deve ser um saco pra você.

— E é, mas eu entendo os motivos dele. Mas e você? Pelo que vejo já foi a muitos lugares. Diga-me, você já viajou para a França?

— Algumas vezes, majestade. A última foi na vinda para cá, nós passamos por lá.

— E seus campos são tão verdes e floridos como dizem os livros? –pergunta com um certo brilho no olhar.

— Tão coloridos quanto as pinturas em seu quarto. –respondi vendo ela abrir um sorriso, sem mostrar os dentes, e revelar as covinhas em suas bochechas.– Foi você quem os pintou?

— Apenas por diversão. Gosto de imaginar o mundo já que não posso sair para vê-lo.

— Então acho que já sei qual vai ser a minha primeira tarefa quando nos casarmos.

      Nos olhamos, o brilho nos olhos da princesa havia aumentado significativamente, e eu aproveitei para entrelaçar as nossas mãos. Assim seguimos para dentro novamente. Era hora do café.

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