"Só de me encontrar no seu olhar
Já muda tudo
Posso respirar você
E posso te enxergar no escuro" Seu Jorge- Seu Olhar
Jaime despediu-se de mim no domingo à noite com um beijo estalado na bochecha esquerda. Não foi a melhor das despedidas, mas, com certeza eu poderia levar em consideração sua ação repentina. Seu olhar contava muitas coisas de si, mesmo que ele lutasse e relutasse que não. Ele se despediu de mim com um olhar repleto de cumplicidade. Um olhar abatido que mesmo muito doloroso, o fez abrir uma portinha mínima de seu coração. Abatido, principalmente, por ter se aberto. Ele deixou bem claro naquele olhar momentâneo que eu não deveria tentar buscar mais a mesma simplicidade de atos pelos próximos dias. Também exemplificou que não iria se deixar abalar por nada mais. E que teríamos tempo o suficiente para nos abrirmos nas visitas semanais da Dra. Vivian. Deixou seu cachecol comigo. E também um monte de perguntas acerca do que passava em sua mente naquele momento. O olhar de despedida não fora frio. Embora eu tivesse sentido que sim.
A segunda-feira se ergueu num tom de penumbra pela atmosfera chuvosa de Londres. Sentia-me ainda mais estagnada e confusa que o habitual. A noite que antecedera a manhã serviu-me apenas de passagem rápida de tempo, sem qualquer aviso prévio de que o dia seguinte seria tão solitário como os outros. Dormir na mesma cama que Jaime por dois dias seguidos deixou uma ilusão de conforto e companhia que eu teria que lidar por todos os dias seguintes. Sentir seu corpo e seu cheiro impregnados ao meu tornou-me tão necessitada como nos anos em que ser louca era mais pacífico que ser normal. Eu nunca quis me afastar. Ele também não. Tê-lo de novo em meus braços foi uma prova de fogo dolorida de se passar. Ter o Jaime, o Jaime de cinco formas novamente lotou-me de falsas esperanças de que tudo voltaria ao normal. Que ele voltaria para mim. Ele não voltou. E a Amélia também não. Os sorrisos, os toques, as carícias e os olhares ficaram para trás, em Saint Henry. Na segunda, os sentimentos eram limitados. Em Londres eu tinha a aparência de viver uma ladeira de emoções que mesmo variando do alto ao baixo, eram sempre os mesmos. O medo de abandono não era mais o maior problema. Eu já estava abandonada há muito tempo.
O escritório estava o mesmo. Trícia também. O elevador de vidro de Jaime subiu e desceu apenas uma vez. Trocamos olhares na entrada e na saída. Ele me sorriu muito cortês. Eu sorri muito confusa. Eu queria gritar como aquilo me machucava e que não me interessava se ele tinha que manter as aparências na empresa. Tampouco também me importava se Jaime era apenas Jaime ou a personificação de seus problemas em personalidades categorizadas. Suas ações eram rasas.
O Pub não era o mesmo. Estava potencialmente cheio. Cheio de pessoas atarefadas que mal olhavam um na cara do outro, tão ocupados que estavam por trás de telas de celulares e apostilas encadernadas. Minha mesa estava lá, bem no final, entre o balcão e a parede forrada de quadros e fotografias. Tom estava lá. Sentado junto de uma mulher de um cabelo louro desbotado. Conversava muito pouco, podia notar como seus lábios se moviam apenas por poucas vezes e logo se crispavam. De relance, também notava seu olhar caído sobre o tampo, mexendo-se desconsertadamente como se quisesse levantar-se e fugir dali. Era capaz sentir o cheiro de trabalho e de estresse subindo junto do vapor do chá que era consumido. Lúcia acenou discretamente, bem ao outro polo do Pub. Estava animada. Claro que está. Tom está ali.
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Lanterna dos Afogados
ChickLitSe adequar à sociedade e aos padrões neurotípicos jamais foi uma tarefa palpável para Amélia, que carrega sobre seus ombros fardos demais para se suportar. Após o término do relacionamento mais intrínseco que tivera e alimentando a certeza que nunca...