"E quando chega a noite e eu não consigo dormir
Meu coração acelera e eu sozinha aqui
Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão
Olhos nos olhos do espelho e o telefone na mão
Pro tanto que eu te queria o perto nunca bastava
E essa proximidade não dava
Me perdi no que era real e no que eu inventei
Rescrevi as memórias, deixei o cabelo crescer
E te dedico uma linda história confesso
Nem a maldade do tempo consegue me afastar de você" Tiê - A Noite
Louca. Louca. Louca.
Você é impossível de controlar a si própria. Inútil.
Você nunca melhorou. Você apenas fingiu melhorar. Somente fingiu ser normal em frente a todos, quando na realidade queria voltar a seu estágio permanente de loucura.
Louca, louca. Você sabe que todo o seu teatro de estabilidade foi destruído agora, Amélia? Você sabe que não conseguirá se reencontrar com Tom e explicá-lo sobre todos esses novos cortes? Sabe que nunca mais terá coragem de se despir em sua frente após os pontos que levou?
Sabe que ele te olhará com pavor quando notar que você está tirando esses pontos como forma de punição e esquecimento da ideia que não é mais capaz de vestir a personagem da mulher que ele conheceu?
O sangue cobria meus dedos enquanto gritava em busca de esvaziar a raiva interminável que sentia de mim mesma, por ser quem eu era. Trêmula, mas determinada, continuava a me mutilar friamente ao arranhar a superfície de meus ferimentos e obstruir os curativos que tomavam a maior parte de minhas costas e braços. Trícia chorava do lado de fora do banheiro trancado. Pedia para que eu abrisse a porta e a deixasse entrar. Implorava para que eu parasse com o que quer que eu estivesse fazendo comigo mesma. Odiava-me mais ainda por deixá-la saber sobre meu transtorno e colocá-la na montanha-russa de meu descontrole emocional.
Não irei envolver Tom nisso também. Nunca. Eu não queria contaminá-lo com a minha vida. Com a minha cota de defeitos e problemas. Nem mesmo corrompê-lo ainda mais. Ver minha fonte de esperança se esvaziar por outro erro meu.
Não queria continuar apaixonada por ele, também.
Era errado machucá-lo com o amor costurado que eu o oferecia. Com tudo o que escondia e o privava de conhecer sobre mim.
— Amélia! Abra essa maldita porta! –rosnou uma voz que eu saberia reconhecer mesmo mergulhada em meus infinitos demônios. As pancadas violentas na madeira que se seguiram ressaltaram a irritação do outro louco que teria que enfrentar.
E também há ele. A variável permanente da minha equação do caos. E ele veio gritando. Ele nunca se exalta por nada.
Abri os dedos adormecidos sobre a pia, encarando-os com pouca nitidez. Uma gota vermelha se formou na cerâmica branca, arrastando-se lentamente rumo ao curso do ralo. Em seguida, outra. E mais outra. O chão ao meu redor não era tão diferente em aspecto. Solucei um engasgo angustiado, despachando minhas lágrimas presas que se negaram a cair quando executava minha autossabotagem com a frieza de um torturador militar. Fitei minha imagem no espelho com receio de me assustar, porém, não sabendo se aquilo representava algo bom ou ruim, notei que não me apavorava a situação em que me encontrava. Minhas costas sangravam como se houvessem enfrentado uma sessão de açoites de metal amarrada a um poste. Os pontos dados na enfermaria davam-me a aparência de um peru costurado de natal, banhado em vinho tinto. Tamanha era a destruição que mal conseguia descrever. Era como se, de uma maneira, fosse parte de um cenário de Game of Thrones. Ou Dexter. Ele adoraria estar em minha presença, ali. Adoraria o que viria. Um silêncio sepulcral preencheu o ambiente. Engoli em seco, juntando as mãos como se isso me fizesse parar de tremer. Em súbito, a porta se abriu agressivamente. Encolhi os ombros, acuada.
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Lanterna dos Afogados
ChickLitSe adequar à sociedade e aos padrões neurotípicos jamais foi uma tarefa palpável para Amélia, que carrega sobre seus ombros fardos demais para se suportar. Após o término do relacionamento mais intrínseco que tivera e alimentando a certeza que nunca...