"Fique aqui e se deite aqui
Bem nos meus braços
Apenas por um momento, antes que você se vá
E eu te manterei aquecida
Só finja que me ama, para que eu possa continuar
Apenas mais uma noite
Deitados na cama
Não importa se é certo ou errado
Corrigir
Só temos que fazer ter sentido
E você irá embora pela manhã
E terá superado isto
Só mais uma noite, para que eu possa esquecer" Shawn Mendes - Act Like You Love Me.
Arrastei-me, porém sem forças, pela excessivamente grande sala de estar da casa de Martini. E em meu ponto de vista bêbado, ela parecia ainda maior. De sapatos em mãos e esforçando-me com afinco para não vomitar em seu piso lustrado, escalei as escadas com lentidão quase medrosa, agarrando-me ao corrimão sem confiar em meus próprios passos. Uma sensação de calor ambígua irrompia em meu interior, dando-me a incerteza se era causada meramente pelo efeito do álcool em meu organismo ou a famosa e pitoresca característica afrodisíaca da bebida arroxeada brasileira. Despi-me a caminho do quarto, mergulhando minha cabeça debaixo do chuveiro sem constatar a temperatura da água e, com um silvo de frio, banhei-me apenas o suficiente para retirar o odor de suor, perfumes e a mistura de drinques que se impregnara em mim. Em um lapso de memória, recobrei-me do encontro inusitado com Henry e perguntei-me mentalmente se havia sido real ou mais uma de minhas ilusões, mas a presença de minhas amigas confirmavam que a merda tinha acontecido.
Enrolei-me às pressas num robe, evitando a preguiça de procurar um roupão na bagunça catastrófica do cômodo. E como se minha cabeça estivesse me chutando a cada minuto, em vão tentando encaixar cada parte dos acontecimentos que o álcool começava a apagar, o refrão de 'Evidências' soou ao fundo de meus ossos. Inferno maldito. O áudio. Será que alguém o ouviu? Chequei meu celular e para meu alívio -ou não- nenhum dos garotos havia retornado alguma mensagem a respeito disso. Tom certamente se empolgaria com aquilo. Porém, conhecendo bem o outro, sabia que ele poderia ouvir e decidir me perguntar sobre o significado frente a frente. Porque ele se daria ao gosto de ver a vergonha em meu rosto. Inconscientemente, marchei pelo corredor até a porta de seu quarto, agradecendo mentalmente por ele mantê-la destrancada desde seu último surto. Uma intensa vontade de gargalhar com meu pânico me fez crispar a boca à medida que andejava com o auxílio de nada mais que a luz do luar que invadia o ambiente através das enormes portas de vidro de sua varanda. Eu poderia muito bem culpabilizar a peculiaridade em que me encontrava com tamanha embriaguez, mas ao direcionar meus olhos sobre a cama, pude sentir uma contração em meu baixo ventre. Deitado de bruços e com o rosto afundado entre os travesseiros, a figura imponente e masculina de seu corpo irresistível jazia entre os lençóis que cobriam-no apenas a curva do traseiro, descortinando somente poucos centímetros do tecido vermelho de sua boxer. A pálida iluminação natural focava, quase propositalmente, sobre suas costas largas e nuas. É difícil ignorar essa bunda, também. Foco, Amélia. Não seja a bêbada tarada.
Alcancei seu celular no criado-mudo, errando sua senha ao confundir os números antes de desbloqueá-lo e apertei desesperada sobre minha foto na lista de conversas. Lá estava a sequência deprimente de recados de voz. Os exclui sem piedade. Um constrangimento a menos. E ainda bem que Tom não entende português. Vai me perguntar o que diabo eu dizia enquanto cantava. Foi impossível deter o ímpeto de virar a cabeça e presentear-me com mais uma encarada lasciva sobre o traseiro de Jaime. A tensão sexual dos dias com ele enfatizada pela Catuaba realmente faziam efeito naquele momento. Sentei-me lentamente ao seu lado, atentando ao desenho agressivo em sua omoplata. As cicatrizes em recuperação jazia em seu braço, assim como o corte abaixo de suas costelas. Quando dei-me por mim, entregara-me irresponsavelmente ao perfume amadeirado de sua pele, diminuindo ainda mais a distância entre nós dois. Encostei meus lábios em seu ombro e, de novo, acima do ferimento que antecedera sua tatuagem. Não existia explicações para minha necessidade de fazê-lo, mas a liberdade de me aproximar sem ter que encará-lo acordado dava-me uma sensação de irrealidade. Como se, depois que o fizesse, tudo aquilo deixaria de existir. E eu não me sentiria culpada por isso. Acariciei seu cabelo bagunçado e sempre estranhamente sedoso, que após alguns meses sem cortar já alcançava-lhe a nuca e decaía nas laterais do rosto, acrescentando-lhe selvageria. Era aquele maldito cheiro tão familiar e íntimo que tornava meus sentimentos um turbilhão de dúvidas, aquelas curvas tão conhecidas por mim e o modo como ele respirava forte mesmo quando dormia. Era o fato que, há um ano e meio, eu dormia naquela cama entre seus braços tão frequentemente quanto em meu apartamento. E agora, a mínima vontade de fazê-lo soava como uma traição.
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Lanterna dos Afogados
ChickLitSe adequar à sociedade e aos padrões neurotípicos jamais foi uma tarefa palpável para Amélia, que carrega sobre seus ombros fardos demais para se suportar. Após o término do relacionamento mais intrínseco que tivera e alimentando a certeza que nunca...