"É tão alto dentro da minha cabeça
Com palavras que eu deveria ter dito
E enquanto eu me afogo em arrependimentos
Não posso ter de volta palavras nunca ditas
Eu nunca disse
Não posso ter de volta palavras nunca ditas
Sempre falando merda
Peguei o seu conselho e fiz o oposto
Apenas sendo jovem e estúpida
Não tenho sido tudo que você pode esperar
Mas se você aguentasse um pouco mais
Você teria tido mais motivos para se orgulhar" Skylar Grey - Words
[PONTO DE VISTA DO TOM]
Após um dia turbulento entre entrevistas, a voz de Luke comandando meus passos, a presença copiosa da mídia e o encontro com alguns fãs na rua, meu corpo pedia desistência. Me entreguei ao apelo do cansaço e deitei-me ainda com a roupa do corpo sobre a cama gigantesca do hotel, procurando algum resquício de coragem para tomar um banho antes de fechar os olhos. O clima instável de Nova Iorque me causara um rápido problema respiratório, esse resolvido por um chá de hortelã entre uma das entrevistas concedidas à sites de entretenimento a respeito de The Night Manager.
Quarenta e oito horas em solo americano e o jet lag ainda fazia efeito. Talvez tivesse me rendido aos caprichos da vida pacífica em Londres nas últimas semanas de férias e toda a minha resistência contra o poder da diferença de horas voltara a remexer meu sistema nervoso. Ou talvez fosse a sensação de baixa imunidade que me assolava desde que entrara no avião, uma espécie de aperto em meu peito que se assemelhava as dores de uma crise de tosse.
Talvez você só esteja ficando velho, Thomas.
Encarei o teto altivo da suíte, esse iluminado apenas pela explosão de cores dos outdoors e anúncios espalhados pela cidade que nunca dormia. Era início de madrugada e o fluxo de táxis amarelos ainda inundava as ruas, ressonando o eco das buzinas distantes, barrados pela proteção sonora das paredes do hotel. Chequei minha caixa de e-mail, respondendo brevemente alguns avisos de compromisso que Windsor marcara; minha mãe enviara um áudio de boa noite, como habitualmente fazia, incapaz de me deixar dormir sem sua bênção; o Twitter explodira em notificações com o recém lançado trailer de High Rise e já nutriam a expectativa de The Night Manager, que prometíamos lançar na próxima semana. De modo geral, aquele turbilhão de comentários positivos acalmava a crise de ansiedade que cada trabalho meu me desencadeava, mas a simples menção a apresentar ao mundo o esforço árduo da série arrepiava os cabelos de minha nuca. Era, definitivamente, um dos pontos mais dificultosos e importantes da minha carreira.
Como se apenas minha carreira tivesse enfrentado um furacão.
Esfreguei os olhos, rindo tolo ao silêncio do cômodo. Ainda não sabia como administrar o novo homem que aquele ano complexo me tornara. Apesar de meu trabalho aparentar uma linha contínua como um gráfico em evolução notável, a minha vida pessoal era um novelo de lã. E Amélia era o gato que brincava com ele, tentando desembaraçá-lo, mas acabava por piorar toda a situação. Fitei sua foto em meu celular, uma das muitas que tirara às escondidas, sem ela perceber. Seus grandes olhos miravam o céu escuro, diretamente para a lua. O cabelo volumoso e cacheado cobria o número 10 em suas costas, ostentando corajosamente a camisa da seleção de seu país. Era a noite em que ela me levara para o bar brasileiro, me obrigara a dançar ridicularmente um ritmo que não conhecia e conhecer as entranhas de seus gostos culinários estranhos. A noite em que, fora de meu controle e responsabilidade, a beijara na calçada, contra uma parede. A noite em que confessara que estava apaixonado. Como uma trombeta que prenuncia a guerra. Ah, Shakespeare. Seríamos uma boa inspiração para um de seus sonetos sobre a loucura que o amor carrega. Literalmente.
Grunhi, sentindo-me um covarde por não ligá-la após o incidente de seu aniversário. A verdade era que eu não sabia como me desculpar por meu comportamento e nem mesmo pela briga que ela testemunhara ao acordar. Mesmo que eu tivesse tentado, inúmeras vezes, mentalmente. Mas era uma daquelas situações em que não somente eu era o culpado, e sim todos nós. Aquela maldita noite quebrara o pouco de moralidade que ainda existia em nosso relacionamento, assim como também fora, apesar de meus esforços para negar, estranhamente deliciosa. No que eu me tornei? Um sodomita?
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Lanterna dos Afogados
Chick-LitSe adequar à sociedade e aos padrões neurotípicos jamais foi uma tarefa palpável para Amélia, que carrega sobre seus ombros fardos demais para se suportar. Após o término do relacionamento mais intrínseco que tivera e alimentando a certeza que nunca...