Behind Blue Eyes

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"Ninguém sabe como é ser o homem mau
Ser o homem triste, por trás de olhos azuis
Ninguém sabe como é, ser odiado
Ser condenado, contar apenas mentiras
Mas meus sonhos não são tão vazios
Como minha consciência parece ser
Tenho horas, apenas só
Meu amor é vingança, que nunca é livre" The Who - Behind Blue Eyes



— Alla salute!

O tintilar excruciantemente irritante de talheres se dispersava em ecos nas paredes afastadas da gigantesca sala de jantar juntamente com o falatório em alto som unido a risadas extravagantes em minha língua-mãe. Algum infeliz iniciara uma conversa sobre lucros obtidos após a resolução de julgamento de um traidor. Os outros o acompanharam no debate e incluíam seus ganhos próprios com o julgamento. Riam ao comparar a pequena fortuna que lhes renderam, riam ao detalharem entusiasmadamente a morte do subordinado que havia os feito perder essa mesma fortuna anteriormente e riam mais ainda ao voltarem seus olhos para mim e pedirem para repetir o que eu tinha feito com esse mesmo subordinado condenado por traição.

Normalmente já teria devorado meu jantar, mas a antipatia que me subia à cabeça em companhia daqueles homens ao redor da mesa me era capaz de tirar a única coisa que julgava não perder até poucas semanas atrás: o apetite. Contudo, eram tão inexplicavelmente filhos da puta em seus comentários e em seu orgulho patético com minhas ações que acabavam a me fazer revirar os olhos discretamente todas as vezes que me cumprimentavam. 'Bom trabalho, garoto', disse meu tio. 'Você não perdeu o jeito com o passar do tempo, apenas o aprimorou', completou ele. 'Ele não pode negar o sangue', outro acusou. 'Eu lhes disse que ele era melhor que Vincenzo', nisso ele tinha razão. 'É o filho mais velho. Precisa ser assim se quiser tomar a posição da casa', meu pai decretou, repousando ambas as mãos em meu ombro. Lutei em não desviar de seu toque. Sorte a minha que ele saíra para uma reunião logo em seguida.

'Mate-os', Michael sussurrou em meu ouvido, na mesma ocasião. 'Você tem talheres em mãos. Um corte apenas. Artéria carótida. Garganta...'

— Basta! -rosnei em voz baixa, censurando-o. Ninguém parecia notar minha conversa paralela. Nunca notavam.

Os anos em que passara distante daqueles seres repugnantes me induziu a esquecer de quão torturador era participar das reuniões da família. Principalmente quando sentado na ponta da maldita mesa, em posição de destaque. Simplesmente para repor a presença do chefe.

Eu achava humilhante o fato de ser esquecido por ser louco. Agora, acima de tudo, humilhante é o fato de continuar louco, mas relembrarem que sou o primogênito. Somente por estar fazendo um bom trabalho.

— Conte, picciotto! Como trouxe o corpo da França para cá?

— Tenho um porta-malas grande. –murmurei sobriamente.

Eles ecoaram risadas satisfeitas, deliciando-se pela décima vez com o modo que optei para lidar com o que Vincenzo não fora capaz de resolver.

'Você sabe que o serviço foi todo meu, vadia', Michael provocou-me com outro murmúrio ao pé do ouvido. 'Se tivesse sozinho nessa, ainda estaria lamentando os fracassos nos ombros da Amélia'.

Quis socá-lo no estômago ainda com a posse da faca de legumes em mão. Entretanto, os anos que se sucederam após a descoberta da existência dessa parte primordial de todas as personalidades que habitavam em minha mente somente me obrigaram a aprender com mais rapidez o quão impossibilitado era lutar contra elas. Eu não podia feri-los. Do ponto de vista de um telespectador, ao menos, não. A meu ver, eu podia.

Lanterna dos AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora