You Haven't Seen the Last of Me

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"Sentindo-se derrotada
Quase não aguentando
Mas há alguma coisa tão forte
Algo dentro de mim
E estou no chão
Mas eu vou levantar de novo
Não conte com a minha derrota ainda
Eu fui obrigada a ficar de joelhos
E estou sendo empurrada ao meu limite
E eu posso suportar
Eu voltarei
A ficar de pé
Isto está longe do fim
Você ainda não viu o meu fim" Cher - You Haven't Seen the Last of Me.


O perambular de passos no gramado do jardim acentuou meu ataque de ansiedade durante o passar do dia. Contabilizei dezessetes pares de pernas vagando aleatoriamente, arrastando as solas dos sapatos sociais pela neve e umedecendo as barras escuras de suas calças. A pequena janela ficava à altura de meus olhos, possibilitando-me assistir inquietamente os preparativos da tão comentada festa de encontro em tempo que anotava em paranoia qualquer detalhe que me passava à vista.

— Relatório da missão?

Torci o pescoço assustada, deparando-me com Jeremy de braços cruzados com pouco conforto em sua face.

— O quê? -retruquei.

— Você está aí há mais de duas horas. -avisou.

— Você está contando?

Ele ergueu os braços em postura de rendição.

— Rude. -debochou.

No início do pôr-do-sol visualizei o mesmo jardineiro de tênis azul borrifando o veneno para fungos de inverno na grama. Milagrosamente, horas mais cedo, um dos capangas descera com um almoço cujo finalmente poderia ser chamado de almoço. Sentia-me mais forte com a alimentação e o inchaço em meu olho diminuíra a ponto de minha visão retornar à nitidez habitual; expressões faciais, porém, devido a quantidade de sangue seco de minhas feridas, era quase impossível.

Olívia caminhava em círculos no pequeno espaço do porão, sibilando palavras e promessas que somente ela poderia compreender e colocar em sentido numa sentença. Bernardo se livrara dos saltos e rasgara metade de sua saia, julgando eu finalmente dando voz a sua real índole. Trocávamos olhares frequentemente, como se nossa conversa noturna tivesse acionado alguma ligação entre nós. Jeremy, que volta e meia se postava ao meu lado, observando uma pequena fotografia envelhecida que não pude detalhar com precisão, dividia sua atenção entre suas memórias e a janelinha empoeirada em nossa frente. A julgar pela quantidade de pessoas que passavam, o barulho no piso superior seria insuportável o bastante para impedir nossas poucas horas de sono.

Ao cair da noite, enxerguei a lataria rebaixada de um esportivo preto estacionar diante do campo de visão que tínhamos.

— Ferrari Berlinetta. É o seu cara. -Jeremy aquiesceu em um murmuro. Pude sentir um frio em meu estômago.

— Como você pode saber?

— Elas têm a parte frontal mais longa que os outros modelos. E, além disso, só esse desgarrado estaciona diante do jardim. -fitou-me de esguelha. — Típico comportamento paranoico. Coloca o veículo em distância próxima para facilitar uma possível fuga.

— Vocês se conhecem?

— Eu o conheço, mas talvez ele não me reconheça. Já faz muito tempo desde a última vez que nos encontramos. -detalhou. — É uma boa coisa não ser reconhecido por eles. Evita discrepâncias.

Antes que pudesse replicar, o familiar estrondo de peças enferrujadas da porta se dissipou pelo porão, anunciando a presença dos dois capangas de aparência pouco saudável. O de dentes amarelos gesticulou para o francês grosseiramente.

— Vamos, Rainier. Suas férias acabaram. -chamou-o com impaciência.

Jeremy libertou um suspiro breve, estendendo seus olhos charmosos para a escada em feição de pouco apreço. Engoli meu desespero, assistindo-o marchar em direção a eles. Olívia, em contradição, andejou até mim com olhos marejados, exibindo o pânico que compartilhávamos. Bernardo se pôs de pé sustentando desconfiança em sua face.

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