Carry On My Wayward Son

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"Embora meus olhos pudessem ver, eu ainda era um homem cego
Embora minha mente pudesse pensar, eu ainda era um homem louco
Eu ouço as vozes quando estou sonhando
Eu posso ouvir elas dizerem
Siga em frente, meu filho rebelde
Haverá paz quando você tiver terminado
Repouse sua cabeça cansada
Não chore mais
[...]
Em um mar tempestuoso de emoções inconstantes
Sou lançado como um navio no oceano
Eu ajustei o curso para os ventos da sorte" Kansas - Carry On My Wayward Son


[PONTO DE VISTA DO JAY]


Guiava o veículo com apenas uma mão, essa suada e trêmula enquanto a outra segurava fortemente minha jaqueta contra o ferimento de Amélia quase inconsciente ao meu lado. Seus olhos tamborilavam contra a força de fechá-los, piscando pesadamente para mim, porém sem foco algum. Suas mãos fracas haviam pousado sobre as minhas, sujas de sangue, contornando meus dedos e roçando-os quase imperceptivelmente, como se desejasse, daquela forma, me avisar que estava viva.

— Por favor, reaja! -gaguejei. — Não desista agora! Fale comigo! Não durma!

Mas eu já falava sozinho desde sua última sentença, quilômetros atrás. Flashes brancos irrompiam minha visão, obrigando-me a sacudir a cabeça na tentativa de afastá-los. As vozes de minhas personalidades incomodavam, em uníssono, uma em cada timbre divergente. O retumbar de meu coração prestes a explodir, entretanto, soava mais alto que eles.

Por favor, Amélia.

Suas unhas riscaram as costas de minha mão, antecipando uma tosse castigada com sangue.

If you... just save my... life -seu tom quase inaudível sibilou arrastado, como numa cantoria muito dificultosa. — Run... and tell the... -tossiu novamente, porém seus lábios se arrebitaram num sorriso cansado. — Angels...

Olhei-a firmemente, libertando um riso tão nervoso que, por breves momentos, tremi. Ela estava cantando 'Learn to Fly', um trecho tão precisamente escolhido que sequer sabia se me animava por seu cérebro ainda estar funcionando bem e que minha garota sagaz continuava atenta, lutando, ou me desesperava ao pensar que ela já delirava. Contudo, algo no modo que ela sussurrava, ofegante, dolorosa, repassava-me que ela o fazia para me acalmar.

Era a minha canção-gatilho. Desde a clínica.

That everything is alright. -continuei, procurando mantê-la acordada. Amélia deu-me uma última olhadela antes de abaixar suas pálpebras. Engoli em seco, apegando-me fortemente ao movimento quase desistente de suas unhas sobre minha pele, arranhando minha mão. Minha mente me direcionou a outro trecho da música, esse que escapou de minha boca embargado por um choro que prendia, negando-me a embaçar os olhos. — Fly along with me... I can't quite make it alone.

Ela não está morta. Ela não está morta. Continue dirigindo. Siga em frente, seu perturbado desgraçado. Salve-a.

Fitei o relógio, temendo que a Interpol me alcançasse antes que eu a deixasse no hospital. Não havia muito tempo para mim. Menos ainda para ela. Heron enviaria todos os seus homens para me perseguir assim que levasse em custódia todos os infelizes que deixara para trás, envenenados, na mansão. O carro de Vincenzo seguia-me fielmente, trazendo consigo Jeremy. Tão importantes eram as vidas em nossa responsabilidade que julguei ser outro truque de minha mente quebrada.

Era a maldita ironia do desespero.

Naquele momento, à beira de minha insanidade, apenas pedia para que eles três sobrevivessem. Amélia, Jeremy e a criança. Não havia lógica para tal pedido de desamparo, eu sabia. Entendia que, embora por um milagre não ocorresse um aborto espontâneo, ela teria que optar por ele mais tarde. Eu sabia que era um caminho bifurcado no início, mas ambos seguiam o mesmo destino fatídico. Nem mesmo compreendia que sensação estranha assolava meu peito. Não era somente o medo de perdê-la, nem mesmo a angústia lancinante que rasgava-me por dentro. Era ainda pior do que o dia em que Catarina morrera.

Lanterna dos AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora