Quarta-feira de manhã, céu nublado e finas gotas de chuva.
Com uma caneca de porcelana nas mãos, encaro o nada como se fosse algo muito importante. Passei a noite em claro, desde que cheguei resolvi me sentar na varanda do meu quarto, só me levantando minutos atrás para pegar um pouco de leite quente.
Está frio, e minha pele arrepiada clama por um agasalho, mas gosto do incômodo físico, é como se acobertasse o que estou sentindo por dentro.
Ouço batidas na porta, mas não respondo. Segundos depois, ouço que a pessoa entra, não se importando com a minha clara falta de vontade de ver alguém agora.
— Hope, você vai congelar aí fora!
É minha irmã. Claro que sim.
— O que você quer? – Pergunto.
Ela não diz nada, mas consigo ouvir seus passos se aproximando. Olho para cima, ao meu lado, vendo-a como uma bolinha, cheia de blusas.
— Onde esteve ontem à noite? – Umedece os lábios.
Volto minha atenção para frente, pensando no que dizer. Posso contar a verdade e ser dedurada, e posso mentir e encerrar o assunto.
— Precisava espairecer um pouco. – Relevo na mentira.
— Saiu com James?
— Não. Na verdade, eu saí sozinha. – Suspiro.
— Você pode falar comigo, irmã. Eu não sou sua inimiga – diz, depois de algum tempo.
— Às vezes, sim.
Ela se cala, noto por rabo de olho que cruza os braços e permanece ali, como se esperasse eu dizer alguma coisa. É horrível não poder desabafar com ninguém, sinto como se todos fossem meus inimigos, esperando pela minha fraqueza para me atacar.
— Sinto muito, eu... eu só... você sabe, a mamãe é tão difícil de lidar. – Suspira.
— Você nem sabe disso, Hailey, porque é a queridinha da família. Tudo o que você faz é bom, você é a perfeita, não é? – Digo, não me importando em esconder o rancor.
— Irmã, não. Eu daria tudo para estar no seu lugar, é verdade. Mamãe vive me controlando, me cobrando coisas para que eu seja como ela...
Levanto-me da cadeira, interrompendo seu discurso.
— Daria tudo para estar no meu lugar? Isto é sério? – Franzo o cenho, incrédula. — Eu sou rebaixada pela minha própria mãe, menosprezada como se fosse um nada. Ela quer que você seja como ela, enquanto quer que eu seja como você! – Aponto, vendo os olhos de Hailey encherem d'água. — Em três dias serei obrigada a fazer uma cirurgia plástica para ter seios como os seus, você sabia disso?
Ela balança a cabeça freneticamente, chorando.
— Não jogue a culpa em mim, é injusto – murmura, chorosa.
Respiro fundo várias vezes, pensando em tudo que já ouvi por causa da garota perfeita à minha frente. Encaro seus cabelos longos e claros, o rosto bonito com lábios carnudos e nariz fino, olhos azuis, como os de Felicia, e a pele impecável.
Hailey é mesmo bonita, isso é indiscutível, mas por que eu tenho que me parecer com ela? Por que eu não posso ser simplesmente... eu?— Me perdoe, Hailey – digo, secando seu rosto delicadamente. — Eu só queria ser livre para ser eu mesma.
Ela soluça, e então me abraça, se jogando em meus braços como se quisesse fazer isso há muito tempo.
Afago seus cabelos carinhosamente, deixando todo o meu rancor de lado para dar apoio à minha irmã.
— Hope... eu estou tão cansada! – Seu corpo treme, mas sei que não é pelo frio. — Eu odeio minha vida!
Franzo o cenho, então afasto-me dela e seguro seu rosto vermelho pelo choro, vendo-a com uma expressão sofrida.
— Vem, vamos sair daqui. – Empurro-a suavemente para dentro do quarto, fechando as portas de vidro, sentindo meu corpo se aquecer imediatamente.
Viro-me para Hailey que está sentada em minha cama, soluçando e fungando como nunca vi antes.
— O que aconteceu que eu não sei, Hailey? – Pergunto, séria. Não sou idiota, alguma coisa aconteceu e não estou por dentro.
Minha irmã está visivelmente abalada.
— Eu não aguento mais guardar isso! – Coloca a mão no peito, puxando a blusa como se pudesse arrancar a própria dor. — Mas você tem que prometer, por favor, que não vai contar isso a ninguém. Por favor!
— Eu prometo, por que está assim? – Me preocupo, atenta à ela.
— Eu não faço de propósito, irmã. Não monitoro você porque quero, eu juro. Eu gosto do nosso dinheiro e sou ambiciosa, sim, gosto de ter as melhores coisas, mas muito do que faço não é porque quero. Eu não vou a todos os eventos por vontade própria, eu não apóio mamãe nos comentários horríveis que ela faz sobre você aos "amigos" da família porque concordo, nada disso sou eu! – Soluça, olhando para o chão.
— Então o que é, Hailey? – Dou passos em sua direção, me abaixando em sua frente e pegando sua mão esquerda para apertar carinhosamente. — Eu nunca vi você desse jeito.
Ela fecha os olhos e mais lágrimas caem, mas me disponho a secar todas com calma. Hailey chora muito antes de conseguir dizer alguma coisa, parecendo se livrar do peso de muito tempo.
— Eu te falei sobre o Antony. – Aceno devagar. — Então, na verdade, eu o conheci há dois anos. Nós dois ficamos várias vezes, e em uma dessas vezes, eu... eu acabei engravidando.
O choque bate no meu rosto com tanta força que me desequilibro e caio sentada. Minha respiração parece ter dificuldade em sair.
— Hailey, o quê...
— Mamãe descobriu, ela viu um teste de gravidez embaixo da minha cama e eu tive que dizer a verdade, ela ficou me pressionando! – Soluça. — Então, nós duas fomos a uma clínica e ela me fez abortar.
Fecho os olhos e tapo os ouvidos, incapaz de ouvir algo mais. Uma raiva descomunal cresce no meu peito, quando percebo estou de pé, prestes a sair do quarto, mas Hailey me segura, chorando ainda mais.
— Hope, não! Por favor, não faça isso! Mamãe não pode saber que eu contei a alguém, ela me mataria, por favor! – Se desespera.
Ofego, sentindo a raiva ferver dentro de mim. Naquele momento, eu me esqueci que aquela mulher era minha mãe, eu acabaria com ela.
Abraço minha irmã, deixando-a chorar no meu ombro. Ela simplesmente desaba.
— Desde então, ela me ameaça com isso, Hope. Ela fala que se eu não fizer tudo que ela mandar, vai espalhar que eu abortei. Não quero isso, as pessoas vão me odiar – murmura.
Beijo sua testa, segurando seus ombros para olhar seu rosto.
— Isto é muito grave, Hailey. Meu Deus, eu não fazia ideia! Por que não me disse antes?
Ela se encolhe, aparentemente destruída.
— Não se preocupe, seu segredo está guardado comigo. Porém, Felicia irá pagar por tudo o que nos faz passar, eu prometo, está bem?
Ela acena, voltando a chorar em meus braços. Desta vez, choro com ela. Choro por tudo o que acontece dentro desta casa.
E ali, vendo o desespero da minha irmã, penso no tipo de mãe que Felicia Downey é.
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IMPERFEITA - VOL I
RomanceUma garota imperfeita desejando ser perfeita. Um cara perfeito feliz com sua imperfeição.