Capítulo 46: um enterro de verdade, com pessoas de mentira

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Ninguém nunca voltou, de fato, da morte. Não há como saber qual é a sensação de morrer. Alguns dizem que o cérebro continua funcionando por mais sete minutos, revivendo memórias de toda a vida, como um sonho; já outros dizem que a alma abandona o corpo e passa a vagar como um fantasma, observando tudo.
Eu imagino que morrer é como dormir: em um momento você está acordado, e em outro, já não vê, ouve ou sente nada. Simplesmente apagamos.

Não tenho medo da morte. Ela, em si, não deve doer. Muitos temem até mesmo dizer seu nome, mas acho uma grande besteira, já que é apenas uma parte da vida, a parte obscura e irreversível.

O grande problema está na perda.

Nada me preparou para a dor que eu sentiria ao ver o corpo mórbido de Felicia naquele caixão. Por mais cruel que ela tivesse sido em vida, era ruim pensar que nunca mais a veríamos, e Hailey e eu só teríamos uma mãe memorizada.
Meus filhos não conheceriam a avó, a não ser por fotos, e os filhos dos meus filhos só se interessariam por seu nome.

Me pediram para tocar alguma música com o violoncelo, mas não consegui sequer me mover de onde estava. Os braços de Tristan estavam envoltos em mim, caso contrário, já teria desmoronado. Porém, não pude fugir do discurso.

Na frente de tantas pessoas, senti repúdio por ver tantas lágrimas e lamentações falsas. Aquelas pessoas fingiam muito bem, eu não podia negar, mas não me enganavam nem por um segundo.
Meu namorado estava à frente também, mas em uma lateral, quase imperceptível. Ele estava ali me dando forças, e só consegui abrir a boca quando vi seu sorriso de apoio.

— Não sei bem o que dizer em um momento como este. – Aperto meus lábios. — Felicia tinha uma imagem perfeita, uma pose de mulher equilibrada, mas por muitas vezes falhou como mãe e como esposa, e não a julgo. Ela era uma mulher traumatizada, e eu consegui perceber tarde demais, quando notei traços de uma adolescência difícil. – Olho para Meredith, que não está esboçando nenhuma reação, mas ao menos não está fingindo. — No final, ela era apenas um ser humano comum, com dores, inseguranças e cobranças, mas não teve tempo de se redimir consigo mesma. – Faço uma pausa, tapando o rosto para me acalmar do choro.

Nunca pensei que pudesse ser tão doloroso, mas ali, eu entendi que por mais que sentisse raiva de Felicia, só queria ter sido amada por ela.

— Hoje é um dia triste para muitos, mas sei que foi o melhor para minha mãe, comparado ao sofrimento que passou nos últimos dias. Hailey e eu sabemos o quanto estava sendo doloroso para ela, e será para nós agora que ela se foi, mas nunca vamos deixar a imagem de Felicia Clark morrer.

Quando me viro para sair dali, ouço alguns aplausos, mas apenas caminho até meu namorado e beijo seus lábios, sendo acolhida em um abraço.

— Você foi muito bem, meu amor. – Beija minha testa.

— Não disse o suficiente, mas não conseguia mais.

— O que importa é o que está no seu coração, e sei que você sente muito. – Me reconforta.

Olho para cima, para o seu rosto, e consigo abrir um sorriso, por mais pequeno que seja.

— Eu quero sair daqui.

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Não mais chorosa, mas ainda triste, estou deitada na cama de Cobain, coberta até o pescoço por um edredom pesado. Estou vestindo uma calça de moletom e uma blusa de mangas longas, ambas dele, pois estava com muito frio.

— Está melhor?

Abro os olhos, vendo Tristan deitado ao meu lado. Ele está de costas, com os braços atrás da cabeça, parecendo não sentir o mesmo frio que eu.

— Acho que sim. – Chego mais perto de seu corpo, me aquecendo com sua temperatura quente.

— Quer comer alguma coisa?

— Não se preocupe, Tristan, eu aviso se algo estiver me incomodando. Agora só quero dormir e esquecer tudo que aconteceu.

Ele concorda, então fecho os olhos novamente e sou cada vez mais abraçada pelo sono. Penso em Hailey, então faço uma nota mental de me juntar à ela mais tarde, pois sei que agora minha irmã só quer ficar sozinha em seu momento de luto, assim como eu.

IMPERFEITA - VOL IOnde histórias criam vida. Descubra agora