Capítulo 12

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Lyla odiava navios. Esse era o seu segredo mais bem guardado, afinal, a maior parte das vezes que estava em um, era na Corte Estival, com as habilidades de Tarquin controlando as águas, de forma que as ondas não balançavam muito o casco das embarcações. Além disso, as outras viagens que fizera na água ela fez sozinha. Não havia ninguém para reparar a forma como ela não saía do quarto por nada pois estava ocupada demais morrendo.

Então, quando subiu naquele monstro de embarcação com o príncipe Sam, contava os segundos para que ele parasse de apresentá-la a cada cômodo — a sala de refeições, o deque, as salas de banho comunitárias — como se ela fosse realmente conseguir sair de sua própria cabine, e apenas a deixasse sozinha. Era pedir demais?

— E essa é a sua cabine. Imagino que seja pouco para milady, mas — Lyla não perdeu o sarcasmo na voz dele, e apenas revirou os olhos, dando uma analisada.

Era de fato meio pequena, tinha uma cama que, pelo menos, parecia confortável, uma sala de banho e toalete pessoal — pelo qual ela deu graças à Deusa — uma penteadeira simples com um espelho e uma janela que deixava o ar salgado e fresco entrar, aliviando a atmosfera opressora de estar em um navio.

— Já estive em lugares piores — ele ergueu uma sobrancelha, como se duvidasse (o que provavelmente fazia), e bufou.

— Estarei na sua frente, cruzando o corredor. Me chame se precisar de alguma coisa.

— Espero não precisar — pela expressão dele, Sam pensava o mesmo — Agora, pode ir. Vai — ela o empurrou porta afora, fechando-a em seguida e perdendo a expressão incrédula dele. Encostada nela, olhou o quarto onde passaria os próximos longos três dias.

 Encostada nela, olhou o quarto onde passaria os próximos longos três dias

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A sala do Capitão era o paraíso pessoal de Sam. Mesmo quando ainda era um pirralho, suas primeiras lembranças eram de pedir ao seu pai para que mostrasse onde ficava quem mandava no navio, e desde então, passava todas as viagens tendo longas conversas com o Capitão. Se não fosse príncipe, compraria um navio, uma tripulação, e viajaria pelo mundo. Talvez ainda pudesse fazer isso caso sua mãe resolvesse dar alguns anos de férias de suas funções. Já havia pedido isso, mas ela alegava "estar treinando-o para o futuro". Fazer o quê.

Era de lá que ele havia saído no começo daquela manhã. Depois de uma noite em vigília junto com o imediato que estava cobrindo o turno da noite, e que agradeceu por uma companhia falante e ativa. Para ir dormir logo depois, só lhe faltava um café da manhã reforçado. Seu estômago estava roncando como se tivesse um monstro dentro dele.

O navio servia, além do serviço de quarto, um buffet de café da manhã delicioso. Enchendo seu prato com torradas, bacon, ovos e uma variedade de frutas, procurou um lugar para sentar entre as mesas já cheias da maioria da tripulação. Nem mesmo lembrou de procurar Lyla entre os rostos, mas sua expressão se iluminou ao encontrar alguém conhecido.

— As flores ficaram sufocantes demais para você, Vídarr?

O macho de cabelos dourados cortados em estilo militar sorriu com os olhos verdes ao reconhecer o príncipe, e se levantou para cumprimentá-lo com um abraço completo, como se fossem velhos amigos.

— Às vezes é bom respirar um ar que não esteja carregado de pólen, com passarinhos cantando.

Sam sentou-se à mesa após um inclinar sugestivo do outro macho, e não esperou para atacar o prato de comida. Quando estava na metade, e a fúria da fome já havia sido aplacada, diminuiu o ritmo para conversar.

— O que te trouxe aqui em Erilea? Negócios?

O outro macho balançou a cabeça, enquanto terminava de engolir.

— Pode-se dizer isso. Acordos, diplomacia. Tamlin está querendo fechar uma rota de comércio com Adarlan. Terrasen foi apenas uma parada rápida no caminho de volta. E você? Ainda pulando de um canto para o outro enquanto cumpre seu papel de príncipe mimado?

Sam fez uma careta diante da provocação. Ambos haviam se conhecido dois anos antes, em uma viagem para o Continente Sul, e Vídarr sempre o alfinetava dizendo que as viagens em que ele era mandado pareciam mais como lições de casa de uma criança. Não que fosse verdade, obviamente. Sam apenas não revelaria as partes mais importantes de suas funções para alguém que acabara de conhecer, e nem sabia se poderia confiar.

— É, agora estou a caminho de Wendlyn. A tarefa da vez é ficar de babá da lady que a Corte Noturna enviou.

O outro macho franziu a testa enquanto bebia um pouco de cerveja. Por sorte, a do navio era boa e amarga, diferente das porcarias aguadas que se encontrava por aí.

— Lady? Está falando da Lyla? É a única que enviariam para diplomacia — Sam parou no meio de uma garfada, surpreso que ela fosse tão conhecida. Vídarr era um subordinado de Tamlin, provavelmente não era tão próximo às famílias governantes.

— É ela, sim. Vocês se conhecem?

Vídarr deu de ombros, sem interromper a própria refeição.

— Nos esbarramos algumas vezes. Ela é boa, principalmente considerando o quão nova é. Tem quantos anos? Dezessete? É praticamente um bebê — a expressão dele era tão debochada quanto impressionada.

— Ela não é muito mais nova do que eu — o príncipe respondeu, se arrependendo logo em seguida, já sabendo o caminho ao qual aquele comentário levaria.

— E você não é um bebê? Da última vez que chequei, você mal havia saído das fraldas — o sorriso do outro macho brilhou em diversão.

Sam revirou os olhos. Odiava quando os feéricos mais velhos o olhavam como se fosse um pedaço de vida insignificante perto de toda a vivência deles.

— É. É. Claro — mas o outro parecia pensativo, de repente.

— Ninguém nessa tripulação sabe que ela está aqui, não é? Imagino que não... Ou eu teria ouvido algum comentário.

— Ela seria um alvo muito fácil se soubessem — ele rebateu, com o olhar meio enviesado — É nosso dever garantir que esteja segura.

Vídarr nem hesitou em balançar a cabeça, concordando. Então seus olhos verde-folha piscaram na direção dele, sérios.

— É bom mesmo. Ela tem sustentado, quase sozinha, a boa relação entre as Cortes... Se algo acontecesse a ela, Prytian poderia muito bem cair como um castelo de cartas... Ou destruir o mundo em retaliação.

O silêncio que se seguiu deixou Sam pensativo. Não esperava que uma garotinha fosse tão importante. Se bem que sua mãe era uma assassina renomada e temida por um reino inteiro aos dezessete. De repente, aquela ideia já não lhe era mais tão impossível. 

A Court of Night and FireOnde histórias criam vida. Descubra agora