Capítulo 19

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- Não tinham crianças da sua idade onde você morava?

Depois de alguns dias, Lyla havia chegado à conclusão de que Emrys era uma velha fofoqueira. Havia destrinchado toda a vida dela com perguntas que, graças aos deuses, não eram constrangedoras. Ela havia começado a enxergá-lo como uma espécie de avô que nunca teria, e imaginava que provavelmente engasgaria e quase morreria se ele a perguntasse sobre coisas íntimas demais.

Ela respondia a quase todas as perguntas com sinceridade e quase livremente. Obviamente, existiam coisas sobre a corte e segredos que ela sabia que não podiam ser simplesmente espalhados por aí, mas ela estava mais do que feliz de falar sobre a maior parte de sua infância e vida pessoal.

- Havia, sim, algumas... Eu até costumava brincar com alguns alunos da minha mãe - ela desfiou um pedaço de pão meio fermentado; uma técnica nova de Sajja - mas houve uma época que era muito perigoso me deixar solta, porque eu desaparecia muito fácil, e se algo ruim acontecesse, minha família demoraria muito para perceber.

Emrys riu, e ela deu de ombros, grata por ele não perceber o tom falsamente leve dela. Sentado próximo a eles, na ponta da mesa, estava Sam. O príncipe comia seu café da manhã, fingindo estar alheio a tudo, mas seus ouvidos estavam atentos à conversa. Quase ninguém sabia, mas ele havia herdado a curiosidade infinita de sua mãe, além da habilidade de entreouvir as pessoas falando.

- Entre as famílias dos Grão-Senhores só havia duas com idades próximas à minha, um menino e uma menina. Pandora... - Lyla tentou esconder a careta, mas não havia sido bem sucedida; a expressão estava se tornando familiar a Sam, já que era a que ela fazia toda vez que o via - Eu não gostava dela. Ainda não gosto, na verdade - ela deu de ombros - Sou uma pessoa difícil de agradar.

O velho riu, retirando os pratos da mesa, e levantando. O horário do café da manhã estava acabando, e ficou acordado que Lyla não lavaria os pratos, já que Sam a exigia bem cedo para os treinos.

- O que a pobre garota fez? Pegou seus brinquedos sem pedir?

Lyla olhou surpresa para o príncipe. Achava que ele não estava prestando atenção, já que ficara calado e distante, como em todas as refeições. Ela lhe deu um olhar inquisidor, e revirou os olhos.

-Adoro o modo como você me enxerga, sabia? - ela serviu mais um pouco do suco de limão que estava tomando, terminando a jarra no copo dele sem que pedisse - Mas não, ela... É insuportável. Desde pequena. Mimada e manipuladora.

- Mais mimada do que você? Achei que isso era impossível - ela conteve a resposta afiada. Estava começando a desistir de discutir com Sam, achando melhor ignorá-lo na maior parte do tempo. Toda a sua energia estava sendo voltada a ficar brava com ele quando não estava treinando, e isso era exaustivo.

Balançou a cabeça, e se manteve em silêncio. O príncipe nunca admitiria, mas não sabia como agir quando ela fazia aquilo. Ficava confuso com aquela reação, como se ela realmente se incomodasse com as alfinetadas, e aquilo estava acontecendo com mais frequência com o passar do tempo.

- Sério - ele retomou, com a voz suave - o que ela fez? - Lyla demorou alguns segundos para responder, um pouco surpresa com o tom dele. Às vezes, bem às vezes mesmo, ele até parecia uma pessoa normal e simpática. Eram esses momentos que a confundiam mais que tudo, mas não duravam muito.

- Talvez nem seja culpa dela - ele precisou se esforçar para ouvir sua voz baixinha enquanto ela olhava fixamente para o copo de suco que girava na mão - É aquela maldita corte que apodrece tudo em que toca.

- Que corte? - ele não perdeu o lábio dela repuxando em desgosto.

- Outonal. Ela é filha de Lucien com uma rainha humana, mas foi criada com a avó. Fiamma é maravilhosa, mas... - a testa dela franziu, ele não sabia por que aquela expressão nela o incomodava - Pandora não absorveu a bondade dela. É a única neta mulher, e foi mimada demais. Não aprendeu a não machucar as pessoas.

A voz dela foi se abaixando, e ele sentiu a necessidade de mudar de assunto. Disse a si mesmo que apenas estava tentando animá-la para não ter que suportar o mau-humor dela durante o treino.

- Quem era o outro? - Lyla tirou os olhos do suco e o encarou confusa.

- Como?

- Você disse que tinham duas crianças da sua idade, quem era o menino?

A face dela se iluminou imediatamente, e ele não gostou do nó em sua barriga enquanto ela falava.

- Ah, Oleg! Sim, o nome dele é horrível - ela riu, parecendo esquecer com quem estava falando; lembrar de Oleg aumentou muito seu astral - Sua mãe é uma sacerdotisa que acredita que ele foi um presente do Caldeirão, ou algo assim, porque é filho de Tamlin, e depois do nascimento dele as coisas começaram a dar certo na Corte.

- Vocês são próximos? - ela assentiu, com um sorriso um pouco saudoso.

- Sim. Ele e Pandora eram muito amigos durante a infância, mas quando crescemos, nos aproximamos muito. Ele é incrível, e será um ótimo Grão-Senhor algum dia.

Terminando de beber o que restava no copo, ela levantou animada.

- Vamos treinar? De repente eu estou querendo testar aquela técnica que você fez ontem.

A gargalhada sonora de Lyla era audível desde o fim do vale de onde Sam a deixava para treinar, o vento a trazia junto com a voz baixa de um macho que o príncipe reconheceu como sendo Pteír quando se aproximou

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A gargalhada sonora de Lyla era audível desde o fim do vale de onde Sam a deixava para treinar, o vento a trazia junto com a voz baixa de um macho que o príncipe reconheceu como sendo Pteír quando se aproximou.

Todo seu corpo se enrijeceu em uma resposta involuntária ao sentimento estranho que fechava sua garganta. Ele evitava pensar muito nisso, esperando que sumisse, mas apenas piorava a cada dia que passava. Ele se mantinha longe da fonte dele por causa disso. Quanto menos visse Lyla, quanto menos a visse sorrir ou franzir o nariz para ele, melhor.

Lyla travou quando o viu, arregalando os olhos. Estava tão distraída que nem o sentiu chegando. Pteír entrou em posição de respeito, e saudou o príncipe com um assentir de cabeça, que foi correspondido. Ela não estava gostando do olhar no rosto de Sam, e seu coração acelerou ligeiramente, como uma criança pega fazendo algo errado.

Não, ela se repreendeu mentalmente, você não é subordinada, nem deve nada a ele. Ainda assim, aquele sentimento incômodo permanecia.

- Príncipe Sam, eu já estava de saída - não demoraram dois segundos para que o macho estivesse descendo a ladeira, deixando Lyla frustrada por abandoná-la sozinha. Ela inspirou profundamente, encarando Sam enquanto se preparava para falar, mas ele pareceu adivinhar o que ela iria dizer.

- Não precisa se justificar, Archeron - ótimo, então toda vez que ele ficasse irritado com ela, ela seria Archeron - eu vim mais cedo porque vou a uma reunião, e queria verificar como você estava indo, mas já vi que estava treinando com Pteír, e eu confio nas habilidades e no julgamento dele.

- Então vai simplesmente me dispensar por hoje? - ela estava incrédula, mas o tom de voz e a expressão dele estavam impassíveis demais para que ela pudesse identificar o motivo de tudo aquilo.

- Vou. Não está feliz? Menos tempo na minha presença - as sobrancelhas dela se ergueram em surpresa - Pode ter certeza de que eu estou.

E assim, sem mais nem menos, ele simplesmente virou as costas e a deixou sem entender como aquela suavidade que a havia animado pela manhã havia se transformado naquilo.

A Court of Night and FireOnde histórias criam vida. Descubra agora