1. OVERFLOW

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- Atende - murmurei quando o beep da ligação chamou pela terceira vez. Minha cabeça tombou no sofá da sala, e senti o sangue escorrer pela minha narina esquerda enquanto esperava que ele me atendesse.

Minha casa está uma completa bagunça, e não sinto vontade de arruma-la, apenas quero espalhar gasolina pelo chão e deixar um cigarro cair e queimar tudo que está aqui dentro, inclusive eu mesmo.

Há embalagens de comida por todo lado, garrafas de soju no chão, resto de pó, algumas seringas e cigarros na mesa de centro. Não lembro qual foi a última vez que me entorpeci tanto assim, na verdade, sei que faço isso a um ano e meio, mas perdi a conta faz algum tempo. Eu costumava usar mais droga no meu aniversário, porque era o dia mais fodido do ano pra mim, mas acabou que todos os dias passaram a ser fodidos e eu nem consigo me lembrar quando nasci.

Meu coração já é acelerado naturalmente, mas senti meus batimentos mais rápidos assim que ouvi a voz do outro lado da linha. Se ele estivesse na minha frente, eu o acertaria um soco no nariz como fiz no ano passado, mas eu estava tão chapado que ele me perdoôu.

- Seu filho da puta - xinguei ainda mais nervoso - por que não me atendeu?

- Porque eu estava transando, seu pau no cu. Você sempre me liga na pior hora.

- E eu lá quero saber onde você tá metendo seu pau, Christopher? - gritei - eu preciso que você me traga mais duas. Agora.

Ouvi ele suspirar do outro lado da linha, como ele fez das últimas três vezes que liguei.

Bang Chan estava longe de ser meu amigo, mas era a única pessoa que eu via com uma certa frequência e o único fornecedor do meu bairro. Mesmo assim, nossa relação nunca foi mais próxima do que isso, porque Chris usava drogas muito menos do que eu e não tinha tanta paciência pra lidar com meus surtos de agressividade ou pânico.

- Eu acho melhor não.

Senti que meu estômago revirar pela náusea, limpei o sangue do nariz com as costas da mão e me levantei do sofá andando de um lado pro outro me segurando pra não atirar o celular na televisão ligada.

Às vezes ele negava me vender droga, não sei se por preocupação ou medo de que eu morresse e ele tivesse que esconder meu corpo e fugir do país. Com certeza é a segunda opção.

- Escuta aqui - me sentei no sofá de novo e amarrei o elástico no meu antebraço antes de pegar mais uma seringa em cima da mesa - é seu trabalho, eu te pago e você me entrega, então larga de ser um desgraçado e me traz logo que eu te pago o triplo. Se demorar muito eu vou buscar com a polícia!

Injetei o líquido da seringa no meu braço ja roxo pelos furos, meu corpo relaxava a medida que a heroína se misturava com meu sangue. Agora eu só precisava cheirar mais algumas carreiras e tudo ia ficar perfeito.

- Ta bom, porra! Eu já entendi! - gritou - chego em alguns minutos.

Joguei o celular em algum canto da sala e me encostei no sofá sentindo o efeito começar, e o filme da TV ficar ainda mais turvo na minha visão. Meu coração bate na garganta, e as olheiras pesam em meus olhos porque já não sei mais o que é dormir ou comer já que tudo me faz vomitar.

Sinto um misto de nervoso, raiva, tristeza e pânico, e, ao mesmo tempo não sinto nenhuma dessas coisas. Quando comecei com o vício eu estava em depressão profunda, me isolando de tudo e todos depois que minha mãe morreu. Agora, eu vivo o luto da pior maneira possível, gastando a herença dela em cocaína enquanto vivo uma vida miserável no pior bairro de Daegu.

Quando eu estava sóbrio, a dor por tudo que aconteceu na minha vida era contínua e incessante. Depois de um cigarro, duas carreiras e uma seringa ela se misturava com a raiva e a paranóia, e essa mistura de sentimentos me anestesiava de sentir qualquer um deles profundamente.

- 𝙇𝙊𝙑𝙀'𝙎 𝘼𝘿𝘿𝙄𝘾𝙏; (𝑚𝑖𝑛𝑠𝑢𝑛𝑔)Onde histórias criam vida. Descubra agora