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- você vai o que?? - meu pai deu grito.

Já fazia uma meia hora que os dois discutiam na sala. Era possível escutar xingamentos, gritos, e o desespero vindo dos dois. Mesmo não se amando mais, eles ainda tinham uma família pra criar e esse era o impasse mais difícil pros dois. Minha mãe já estava cansada dele e da gente, e o atropelava com mil e um argumentos pra largar a gente aqui. Ele, como sempre, não tinha paciencia pra escutá-la e ficava gritando a cada palavra que ela dizia. Um verdadeiro caos, eu diria.

E depois de mais algumas horas de discussão, meu pai veio nos chamar e seguimos pra sala. Mia estava muito confusa e não entendia o porque daquela raiva toda. Eu permanecia séria, quase que sem reação. Não dava a mínima pros dois. Eles nunca se importaram com nós duas.

- como já devem saber...

- seja direto e fala logo que vocês dois vão nos largar com a vovó - corto meu pai.

Minha mãe bufa de raiva pra mim e meu pai fecha o punho tentando não gritar mais.

- sua mãe tá indo embora hoje a noite.

- o que? - Mia enche os olhos de água - mas você falou que ia me levar pra conhecer a Disney semana que vem. E as princesas também...

- você acha mesmo que a gente tem todo esse dinheiro? - meu pai corta a pequena, que passa a ficar assustada e engole o choro. 

Cruzo os braços esperando ele prosseguir.

- e sim, eu também to indo. Vou pra casa do seu tio amanhã de manhã - dou uma risada sarcástica.

- só pode ser piada mesmo - resmungo.

- sua avó já tá sabendo e vai morar aqui com você até a gente organizar as coisas do divórcio.

- seu pai vai enviar dinheiro todo mês - minha mãe fala - mas só pro necessário. Se vocês quiserem sair por ai ou fazer compras além do básico, vão ter que correr atrás de um jeito pra conseguir mais dinheiro. Já passou da hora de vocês criarem responsabilidade.

- você tá querendo mesmo falar sobre responsabilidade pra gente? - cerro os olhos - sério mesmo? Logo você?

- sua...

- chega, as duas! - meu pai intervém antes que começasse mais uma guerra - estamos entedidos?

Mia não conseguia nem olhar mais pra cara dos dois e ficava escondida atrás de mim, se remoendo em um choro silencioso.

- vai ser melhor assim - ele disse depois de uma pausa - vamos manter contato ainda, mas só estaremos distantes.

- mas o que eu vou fazer no dia dos pais? E das mães? Vão zombar de mim na escola - Mia voltava a encher os olhos de água com uma voz tremida -e eu não quero morar pra sempre com a vovó... por favor, fica. 

Minha mãe engolia seco e meu pai permancia firme nas palavras, duras de mais pra uma criança de 8 anos compreender.

- querem dizer alguma coisa pra sua mãe antes de...

- vocês são uns mentirosos! - a pequena esbraveja - ficavam falando que...

- ei, Mia... - interrompo a pequena e me abaixo, ficando do seu tamanho. Seguro em seus braços, mas ela se afasta, nervosa demais.

- eles mentiram, Suzu! - ela grita em meio a choros.

- eu sei, tá - volto a segurar ela, só que mais firme - e eu também to brava, mas agora não adianta você ficar chorando. Só vai piorar a situação, entende?

- me solta! - ela sai chorando e se fecha no quarto. 

Senti meu coração se partir em mil pedaços ao ver ela assim. Ela não sabia controlar seus sentimentos e com certeza ver duas pessoas que ela tanto amou se divorciando não ia ser nada fácil. Me controlei pra não falar que a culpa era toda deles que criaram na coitada milhares de espectativas, mas não consegui.

- tá feliz? - me levanto, já sentido a raiva ferver meu sangue - como é essa sensação de quebrar os sonhos de uma garotinha de 8 anos e sumir do mapa, fingindo que nada aconteceu? Deve ser muito boa pra vocês quererem isso a todo custo.

- lá vem a mamãe do ano! - minha mãe resmunga.

- Saman...

- eu cansei desse joguinho de vocês com a gente - sinto meu corção apertar e meu tom voz se altera - se querer sumir, façam isso de uma vez. Parem de ficar alimentando as esperanças dela. Vão embora logo e só voltem quando quiserem ficar permanentemente com nós duas, entederam?

E, diferente do habitual, os dois ficaram calados. Olhei pra eles com tanta decepção que já não pensava em outra coisa.

- eu tenho vergonha de vocês dois - falo com um pesar e não demora muito pra um tapa ardente estralhar no meu rosto.

- nunca mais fale desse jeito com a gente - meu pai diz furioso - nós somos seus pais, não um zé ninguém com quem você possa desrespeitar assim!

- é mesmo? - me aproximo, sem medo de levar outro tapa dele - então onde estavam "meus pais" na minha formatura da escola, no dia de ação de graças, nas vésperas de natal, no ano novo, no meu aniversário de 16, 17, 18 e 19 anos? Vai, me fala! Onde eles estavam esse tempo todo? - minha visão começava a ficar turva por conta das lágrimas. Meu pai fica em silencio, me fuzilando com o olhar - eu posso dizer onde eles estavam... - minha voz falha - meu "pai" estava em mais uma de suas infinitas viagens, não dando a mínima pros momentos de família, trocando os dias de Natal por viagens e mais viagens. Enquanto que minha "mãe" estava entupida de álcool, transando com o primeiro cara que oferecesse um quarto pra ela em vez de  acompanhar as nossas notas na escola ou passar o dia de feriado com a gente. Então sim, eu tenho vergonha de vocês. Muita.

- pode ter certeza que eu nunca mais apareço nessa casa por causa sua - meu pai diz entre os dentes - talvez eu venha visitar a Mia, mas você não.

- já tá me fazendo um ótimo favor! 

Olho uma última vez pros dois e saio dali, indo pro meu quarto de coração partido. Bato a porta com força e me deixo escorregar por ela, tentando não me afogar em mais lágrimas. 

Aquela foi a primeira noite em 3 semanas que chorei até dormir.


lost on u☇ // Tony LopezOnde histórias criam vida. Descubra agora