Almas

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Horas antes...

Leiftan P.O.V

Já é tarde demais. Já é tarde para gritar, para defendê-la, e para matar Lance, antes que fizesse algo. Já é tarde demais quando percebo seu corpo inerte ao chão. Nem me importo se a Miiko está num estado tão ruim quanto a Katie, quero saber só dela. Não sei o que sentir, é uma mistura de tristeza, ódio, desespero, angústia e medo. Não sei se deveria gritar para tentar aliviar um pouco dessa dor. Apenas corro em sua direção, e a pego nos meus braços, e verifico seu pulso. Está fraco...

Uma chama de esperança surge dentro de mim. Pequena, mas ainda está lá. A esperança que ela fique bem, e que não acabe me abandonando... Esse pensamento me causa uma náusea, e tenho que me segurar para não chorar.

- Vamos para a Ewelein, AGORA!!! - falo para os meus companheiros, e Valkyon ergue a Miiko em seus braços também.

Corro o mais rápido possível para a enfermaria. Assim que escancaramos a porta, a Ewelein se assusta, e já entende a seriedade da situação. Ela corre e pega as pedras para o ritual de captura da alma. Logo depois de depositar as pedras sobre o peito de Katie, e se garantir que a Miiko só sofreu um desmaio, ela expulsa todos da enfermaria, menos eu, que não quis ir embora.

Assim que todos saem, eu desabo no choro. Ela precisa ficar bem... Fico repetindo na minha cabeça. Como pude deixar que aquele imbecíl destruísse o Cristal??? Como pude acreditar nele??? Deveria ter matado ele há muito tempo, mas ele era importante para os planos...

Quer saber...??? Que se dane os planos... Eu só preciso dela, e de mais nada...

Seguro uma de suas mãos delicadas, enquanto continuo em prantos. Queria tanto que ela abrisse seus lindos olhos violetas, e me consolasse, dizendo que iria ficar tudo bem, e depois, acariciar minha bochecha para me acalmar. Santo Oráculo... Como eu a amo... Penso que há a chance dela nunca mais fazer isso, tudo por causa de uma burrada minha. Por causa de mim ter acreditado naquele idiota... Choro ainda mais.

- Me desculpe por isso... Eu te amo... - ouço um susurro, e me espanto na hora.

Era a voz dela...

Olho para os lados, para tentar indentificar de onde a voz saiu.

De repente, uma ideia me vem à mente.

Há chances dela nunca mais me perdoar por isso, mas não quero que ela me abandone. Ela não pode morrer...

Saio correndo da enfermaria, e vou para o meu quarto. Preciso de um lugar tranquilo, para ninguém interromper o processo.

Escancaro uma das gavetas da minha cômoda, e pego o meu livro de encantamentos aengel. Essa relíquia me ajudou diversas vezes, como quando fiz o pacto com aquele cretino. Não podia arriscar que ele revelasse minha verdadeira natureza, muito menos meus planos... Mas tive que prometer a mesma coisa, para o pacto funcionar. Sorte que esse livro resistiu ao tempo, mesmo parecendo bem mais novo do que parece. A única escrita na capa de couro - K.G - ainda tem seu tom dourado preservado. Sempre me perguntei quem seria o dono dessas iniciais, mas isso é irrelevante agora. Graças a esse livro que recebi de Verom, eu posso salvar minha amada.

Procuro nas suas páginas o encantamento,e após um doloroso tempo, encontro o que tanto procurei.

O ritual dos ôgum mauelm...

Consistia num ritual de doar metade de sua alma para sua alma gêmea, do mesmo sangue. Graças a doação que fiz a ela quando foi ferida pela Naytilli, o ritual é possível.

É muito arriscado, e não tenho certeza que ela voltará para mim, visto seu estado, mas eu preciso tentar, eu faço tudo por ela...

- Duo animabus in sanguinem, tenetur: hodie et omnibus diebus vitae suae ut participatur.

(Duas almas, pelo sangue, ligadas, hoje e sempre, suas vidas serão compartilhadas.)

Assim que terminei de dizer a frase, uma energia poderosa e violenta me envolveu, me paralizando. Essa energia se transformou em finas cordas, que me envolveram com ainda mais violência que antes. Sinto a minha força aengel e a vida me escapar. A dor é terrível, mas eu preciso aguentar...

Mordo os lábios para evitar um grito quando aquelas cordas penetram a minha pele. A dor está cada vez maior, muito, muito...

De repente, não sinto mais dor nenhuma. Me levanto, e percebo...

Meu corpo, deitado no chão ao lado da cama.

Olho para os lados, e resolvo sair do meu quarto. Começo a correr por todo o Q.G, e como não há ninguém até agora, consigo presumir: estou no purgatório, e, quando encontrá-la, ela verá apenas minha forma demoníaca...

Bom, se eu achá-la...

A sensação de soco no estômago retorna, mas a ignoro. Preciso encontrar ela, o mais rápido possível...

Quando me aproximo da Cerejeira Centenária, finalmente, encontro seus cabelos castanhos-claro...

- KATIE!!! - grito, correndo em sua direção, e ela vira na hora, me olhando, petrificada - Eu te procurei por todos os lados, finalmente te achei... - digo.

- Fique longe de mim... - ela responde, apreensiva.

- Eu não irei te machucar... Por favor, confie em mim!

- Confiar em você? Você e o Ashkore querem levar Eldarya ao genocídio, e você quer que eu confie em você? Você é um assassino, mesmo sendo da mesma raça, eu nunca seria como você!

Aquelas palavras me feriram como uma lâmina. Mas ela não me vê realmente, não posso culpá-la...

- C-Confie em mim, você precisa viver! - falo, com a voz falhando, ainda não digeri aquelas palavras.

- Eu prefiro morrer do que confiar em você!

Ela acaba me atacando. A imobilizo, tomando o máximo de cuidado para não machucá-la.

- Vamos! O que você está esperando? Me mate logo, já que é provavelmente isso o que você quer!

Depois de dizer isso, Katie começa a lacrimejar. Nossa, ela tem a incrível habilidade de me atingir com palavras... Eu nunca a machucaria intensionalmente, e ela está jogando na minha cara o monstro que eu sou...

A abraço, para enfim colocar um ponto final ao ritual. Para a minha supresa, ela aceitou a minha alma sem resistir. Após uns segundos, ela acaba desaparecendo dos meus braços. Espero que tenha funcionado...

Quando me viro para voltar, me deparo com um vulto negro, mas no segundo seguinte, ele não está mais lá... Estranho...

Voltar para o meu corpo foi extremamente fácil, mal incostei nele que já acordei, caído no chão.

Assim que me levanto, meio tonto, Oluhua abre a porta do meu quarto rapidamente.

- Leiftan!!! A Katie acordou!!! - ela diz.

Uma sensação de alívio e alegria toma conta de mim, e eu abaixo a cabeça, e acabo vendo minhas luvas, cheias de sangue.

Eu salvei a Katie, que tanto amo, mas a que preço...?

FeatherOnde histórias criam vida. Descubra agora