Capitulo 1

20.2K 1K 128
                                    

Tento recuperar o ar. Estou a caminho da rodoviária e minha mente não para de girar. Talvez eu seja um pouco dramática, mas definitivamente essa foi a pior ideia de todas as péssimas ideias que minha mãe já teve. Onde foi parar o instinto materno dela? Se é que ela tem algum! 

Depois de três anos se esquivando de toda e qualquer aproximação, meu pai teve a brilhante ideia de me receber na casa dele nas férias com um pequeno bônus de terminar o ano lá! Eu simplesmente não sei o que deu nele que resolveu simplesmente do nada, se lembrar de que tinha uma filha. 

Faz cinco anos que meus pais se separaram. Continuamos te amando e vamos continuar do mesmo jeito, só não vamos estar mais juntos com um casal. Era isso que eles deveriam ter me dito! Mas não. Tudo foi uma gritaria, muito choro e alguns palavrões abafados pelas paredes. Talvez eles nem saibam que eu ouvia e via tudo. Mas ao contrario do qualquer pessoa pense, não, isso não me deixou trauma, nem marcas. Não sou uma adolescente revoltada que usa jeans rasgados, com um cabelo em um corte horrível e unhas descascadas de esmalte preto. Sou bem normal. 

Mais normal do que eu gostaria de ser. 

- Rebeca! Eu estou falando com você, será que dá pelo menos para você fingir que presta atenção em algo que eu digo? –Grita minha mãe sem a menor precisão. Eu estou ao lado dela! Tudo bem que eu estou distraída, mas era só me cutucar que eu ia sair do meu transe. 

-  Desculpa mãe! Eu só me distraí. O que você estava dizendo? 

- Seu pai. Você vai ter que ter paciência com ele. Ao contrario de mim, ele vai querer te obrigar a escolher logo a faculdade que quer. Eu sei que essa fase é difícil, mas ele não entende. Até parece que nunca foi jovem...

Fico balançando a cabeça pra cima e pra baixo sempre que acho que seja necessário. Minha mãe não é de falar tanto, mas acho que isso é efeito colateral dos sentimentos que essa mudança repentina nos trouxe. Eu me calei mais que o normal, e ela está falando pelos cotovelos! Parece até que nunca mais vamos conversar! 

Eu e minha mãe sempre tivemos um bom relacionamento. Conversamos sobre muita coisa, mas não posso também dizer que temos um relacionamento no nível Rory e Lorelai Gilmore. Acontece que também temos brigas. Das feias. Mas sempre nos resolvemos em pouco tempo. Só que, por mais que ela tente, não me sinto a vontade pra simplesmente falar tudo pra ela. 

Pra isso eu tenho a Babi. 

Eu e a Babi nos conhecemos desde a quinta série, e desde então somos melhores amigas. Nunca estudamos um ano separadas. Já teve uma vez em que nos colocaram em turmas diferentes, mas ela ficou plantada na secretaria até a hora que resolveram nos colocar juntas de novo. 

Babi é bem diferente de mim. Somos, na verdade, aquele clássico clichê de garotinha sem graça que tem uma amiga descolada, diferente e divertida. Babi não se dá bem com todos, mas poderia facilmente ser a mais popular. Seu único problema é ser um pouco ácida demais. 

E como eu vou sentir falta dessa acidez dela! Talvez ela seja a única pessoa que é sempre sincera comigo, mas incrivelmente não é grossa. Sua sinceridade não me machuca, ajuda. 

-Rebeca! – Minha mãe para o carro subitamente e com um grito. Por um momento penso até que estamos sofrendo um acidente. Mas aí me lembro de que é minha mãe. – Você não tem jeito mesmo! Agora seu pai e aquela namoradinha dele que te aguentem. 

Namorada... Que namorada?

- Espera! Que namorada? – Franzo as sobrancelhas e vejo minha mãe me olhando com cara de quem falou o que não devia. 

- Ai caramba! Seu pai sabe que eu tenho a língua solta! – Mais um dos motivos pra eu não contar meus segredos pra ela- Aquela namorada do seu pai, bom... ela vai morar com você e ele nesse ano. Mas agora não temos mais tempo pra conversar porque esse trânsito nos tirou todo o tempo que tínhamos até pra nos despedir. 

Eu não consigo mover um dedo. É como se eu tivesse paralisada pela notícia. Minha vontade é de explodir. Como assim eu vou ter que ficar um ano morando com uma mulher que eu não conheço, e nem sequer ouvi falar? 

- Você realmente acha que eu vou entrar nesse ônibus depois de ter me falado isso?- Saiu do carro como um furacão e me controlando pra não gaguejar. – Morar com ele? Tudo bem. Mas morar com ele e essa mulher que eu nem sei o nome? Não! Você simplesmente não pode fazer isso comigo! 

- Vanessa. Esse é o nome dela. Agora por favor, filha, já marcamos tudo e você não pode simplesmente largar toda essa viagem assim! 

- Você quer tanto se livrar de mim assim? – Grito sem ligar de estarmos na frente da rodoviária com todo mundo olhando. E eu juro que eu nunca pago a louca. E sempre morro de vergonha alheia quando alguém passa por esse papel. 

- Rebeca... – Minha mãe diz meu nome com um suspiro cansado enquanto puxa a mala do carro. – Eu não quero me livrar de você e já conversamos tanto sobre isso. É apenas um ano, esse tempo é importante...

- Eu já sei! Esse ano pode ser muito importante pra você. Você tem que conviver mais com seu pai. Vai ser cheio de experiências. É bom sair da zona de conforto e ampliar os horizontes. Blah Blah Blah. 

- Já chega. Eu odeio quando você me imita com essa voz. Eu não falo assim! – Ela volta a tomar a pose de durona e mãe controladora. Ela quase nunca se impõe assim, só quando ela diz que estou lhe desrespeitando. – Eu amo você. Mas você tem que aprender a voar. 

- Chega disso mãe. – Respiro fundo e tento conseguir coragem. Pego a mala da sua mão e jogo a bolsa pelo ombro. – Eu sei de tudo isso. Só não queria morar um ano com uma desconhecida. 

Sinto seu olhar compreensivo. É incrível ver como uma mãe pode assumir tantos papeis em poucos minutos. De controladora a compreensiva. De raivosa a amorosa. Vou sentir saudades de toda essa bipolaridade. E desse olhar. E dessa voz. E desse abraço. E desse beijo na testa. E de todo esse amor que parece que me envolve como uma bolha. 

Depois de um milhão de novas recomendações, consegui entrar no ônibus, que já estava quase saindo. Depois de receber um olhar feio do motorista, fui pra minha poltrona. Pelo menos era na janela. Só que... Minha poltrona estava ocupada. Por um garoto. Não, não um garoto. O garoto. 

O garoto mais lindo que já tinha visto (pelo menos pessoalmente). 


Just a Year - (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora