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"Que cena nós formamos!", pensou Deidra mordendo o interior da bochecha para evitar que surgisse um ridículo sorriso que vinha ameaçando despontar desde que Daren começou a puxá-la pela floresta. O bravo cavaleiro guiando a montaria da sua dama pelas trilhas que levavam ao castelo.

Só que a montaria no caso não era dela e sim dele, não que isso fosse um problema, mas a montaria dele tinha que ser branca, não? Todos os contos retratavam um herói em um cavalo branco.

Não que Daren preenchesse todos os requisitos de um herói, embora ele fosse bravo e corajoso, fosse um príncipe — o que era um bônus — e a tivesse salvado. Ainda assim isso não fazia dele um herói. Ou fazia? O herói dela de repente?

— Ora, quanta tolice! — Deidra bufou, dando um peteleco na sela, não devia sequer ter começado a seguir aquela linha de raciocínio que transformava Daren, um príncipe desalmado, o Sem Coração, caçador impiedoso e sanguinário, em um herói de armadura reluzente.

Daren olhou por sobre o ombro com uma sobrancelha arqueada.

— O que disse?

Deidra mordeu a língua.

— Apenas pensando que parecemos muito com uma figura de um livro antigo — desconversou. — Algo sobre uma donzela em um cavalo branco junto de seu príncipe encantado — e só comentou isso porque era irresistível saber o que Daren pensava do assunto, ainda que sua resposta fosse bastante previsível.

Príncipe encantado? — ele comentou com um tom de deboche que a desagradou. — Cavalo branco de novo? Por que tanta importância com a cor? Sabe quão difícil é achar um legítimo cavalo branco por aí? Um saudável, é claro. Isso me faz pensar que as pessoas que criam essas histórias não sabem nada de cavalos...

— Cavalos brancos representam pureza, bondade de espírito — Deidra respondeu com seu melhor tom principesco. — Nós temos dois em casa, é bastante comum vermos cavalos brancos por aí.

Daren riu, fazendo Meia Noite passar por um galho caído, embora o cavalo estivesse um pouco receoso. Deidra ficou encantada com o quão gentil o príncipe dito Sem Coração era com seu cavalo. A voz suave murmurava encorajamentos no ouvido do animal, o toque gentil, porém firme nas rédeas, instigava-o a passar confiante pelo obstáculo.

Quando estavam de volta à trilha, Daren voltou a falar:

— Não são brancos de verdade esses cavalos que você diz ter. Devem ser tordilhos. Nascem de qualquer cor e vão ficando cinzentos com o tempo até finalmente tornarem-se brancos. Não são de verdade — ele acrescentou, novamente olhando por sobre o ombro. — São uma ilusão. Os verdadeiros cavalos brancos não sobrevivem muito.

— Por quê? — ela perguntou, extasiada pela voz dele. Pena que Daren dizia não contar histórias, pois sua voz tinha a cadência certa para encantar uma população inteira. Não era à toa que tantos homens o seguiam apesar da violência que o caracterizava. Quando começava a falar, ele se tornava envolvente e sedutor, mesmo que não tivesse consciência disso. Deidra gostaria muito de saber como ele contaria uma história, não uma história de guerra ou de seus feitos, mas uma história fantástica.

— São fracos — Daren deu de ombros, respondendo a pergunta dela. — Frágeis, acho que seria a palavra certa. Não duram muito no Sol. Até seus olhos são claros, às vezes quase brancos.

— Bem, essa é certamente a opinião de um criador prático — ela comentou lacônica, olhando para trás a tempo de vislumbrar o brilho branco prateado se escondendo atrás das árvores.

Embarr.

Ele devia ter escutado seu grito e vindo ajudar. Um cavalo encantado, como na história. Deidra sorriu, mas o sorriso logo desapareceu quando Meia Noite também deu sinais de que tinha visto o cavalo encantado desaparecendo na floresta. O cavalo negro parou abruptamente relinchando e olhando na exata direção em que Embarr desaparecera. Deidra segurou a respiração, Daren empunhou a espada, alerta e preparado para a briga.

— O que foi? — ela perguntou, clareando a garganta. Tinha que distraí-lo, mesmo que soubesse que Daren não era o tipo de homem que se deixava distrair de uma presa por absolutamente nada.

— Não sei, mas vou descobrir — ele respondeu sem tirar os olhos da direção que Meia Noite indicava.

— Não seria melhor sairmos daqui? — Deidra de repente começou a suar, se não tirasse aquele homem dali logo, todos os caçadores estariam sendo liderados por ele em perseguição ao cavalo branco. — Antes de sermos atacados? Além do mais, meu tornozelo dói e seria muito bom chegar em casa logo. O seu javali também não pode ficar lá, na floresta, o dia todo — ela acrescentou, caso a caça recente fosse mais apelativa do que a perspectiva de levar a dama ferida para casa.

Não pareceu surtir efeito. Daren olhou-a de testa franzida, como se sequer a escutasse, resmungando:

— Pare de tagarelar, mulher!

Deidra fechou a boca, chocada com o quão rude o príncipe podia ser. Precisava fazer alguma coisa e rápido, pois Daren ficava cada vez mais interessado. Ele agora rondava a mata fechada, fora da trilha, tal qual um cão de caça no rastro de um cervo.

Antes que Deidra tivesse decidido como agir, Daren estava de volta, segurando Meia Noite pelo bridão.

— Desça — ele ordenou, já puxando Deidra de cima da sela e sentando-a, como uma boneca, em cima de uma pedra. Em seguida, ele assumiu seu lugar na sela sob o olhar estupefato da princesa, sem se importar em quão reprovador pudesse ser seu ato. — Você vai me esperar aqui — ele continuou com as ordens. — Vou ver o que está se escondendo atrás daquelas árvores e volto para buscá-la. Não devo demorar.

— Mas...

Deidra não conseguiu terminar a frase, ou sequer formulá-la, o Sem Coração já tinha mergulhado floresta a dentro em um galope desenfreado.

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora