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A dama da floresta, antiga deusa de contos milenares, surgiu diante dos olhos da apavorada princesa, saindo da névoa nas profundezas da floresta, envolta em uma longa capa azul escura, seus cabelos negros enfeitados com folhas e flores. Ela olhou para os humanos com infelicidade.

— Tenha misericórdia — pediu Deidra, achando sua voz em algum recanto de seu trêmulo corpo.

A deusa também estava cansada das afrontas do príncipe. Os três deuses se encararam e um acordo surgiu sem que nenhuma palavra fosse dita. Cernunnus olhou com desdém para o corpo que se contorcia.

— Que pague com a vida, da forma que lhe for possível. Que aprenda o preço do perdão e da misericórdia. Que esteja na pele daqueles que antes o serviram.

A deusa assentiu.

O príncipe berrou como se seus ossos estivessem sendo destroçados, e estavam. Sob o som horrendo de sua voz, parecia haver outro som, distante e confuso, como um animal ferido.

Deidra cobriu os ouvidos.

Quando Cernunnus desapareceu entre as folhas como se jamais tivesse existido, levando seu vento e sua fúria, Deidra correu até se ajoelhar ao lado de Daren.

— Ele não a merece — sibilou a deusa. — E você nos traiu.

— Não — Deidra se levantou, havia lágrimas nos olhos. — Eu quis ajudar. Eu quero mudá-lo, eu...

— É igual a ele enquanto estiver com ele.

Deidra abriu a boca, mas nenhum som saiu.

A voz da deusa parecia alcançar todos os recantos da floresta e cada poro do corpo da princesa. Deidra não teve forças para refutar. A voz da deusa soava como ordem, uma promessa...

Uma maldição.

— Que seja como ele até que ele mude e, caso ele mude, que então seus corações estejam prontos para se reencontrar.

A deusa sentenciou, pois conseguia ver além, conseguia enxergar a alma e sabia, por esse motivo, que havia uma pequena flama no coração de Daren, uma fagulha quase invisível, mas que o tornava digno de uma chance. Ainda que ele fosse cruel e não merecesse os sentimentos puros de Deidra, a deusa reconhecia que havia amor no coração do Sem Coração. Ele correspondia, ainda que de forma egoísta, o sentimento da princesa. Aquele amor bruto era típico de uma pessoa que nunca aprendera o real significado daquela emoção. Talvez, com o castigo que lhe fora aplicado, ele aprendesse e se tornasse melhor.

Logo, aquela provação seria a mais adequada. Daren precisava aprender a ser mais humilde para valorizar quem o amava. Deidra necessitava refletir sobre seus atos, compreender que ser ingênua estava longe de livrá-la de seus erros. Ninguém podia mudar alguém da noite para o dia.

— O peso será o tempo de vida de todas aquelas que ele tomou... e muito mais. A maldição dele quebra a sua quando desfeita, se for desfeita. Se seu coração era de pedra, então pedra você será. 

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora