12

1.7K 207 16
                                    

Se ela chegasse a tempo, tudo estaria bem. Não podia salvar uma floresta inteira, mas podia espanta o cavalo branco, que dentre tudo o que vivia sob as copas daquelas árvores, era o que mais chamava a atenção. Criaturas como ele não conseguiriam se esconder, não quando seu pelo brilhava ao Sol como se fosse feito de prata líquida.

A história de que era imortal e vindo do Outro Mundo bem poderia ser verdade, mas ela não estava disposta a pagar para ver. As maravilhas deviam ser preservadas, independente de correrem risco de perecer. E com Daren a solta, ela tendia a acreditar que nem mesmo o universo místico podia sair ileso.

Deidra queria chegar ao lugar onde o vira pela primeira vez e estava bastante convicta de que conhecia o caminho... até pisar em falso e cair.

O súbito encontro com a terra úmida tirou o ar de seus pulmões, desencadeando uma onda dolorida de seu tornozelo até o joelho direito. Deidra gritou, espantando as aves das árvores próximas. Tinha caído em uma armadilha, os dentes de ferro prensavam seu tornozelo, só não cortando-o fora porque tinha sido projetado para capturar uma criatura bem maior e mais forte que ela, de modo que os dentes da armadilha tinham espaço suficiente entre eles para acabarem passando raspando por sua pele. Ainda assim doía muito e a mantinha presa.

Com as mãos arranhadas e as folhas secas enroscadas no cabelo e no vestido, Deidra forçou a armadilha, mas os dentes não se moveram. Estava presa, impossibilitada de ir ou voltar para qualquer lugar que fosse.

— Mas que maravilha... — ela resmungou, tendo certeza de que aquilo era culpa de Daren. Mesmo que não tivesse sido ele quem deliberadamente montara a armadilha, ela só estava ali porque queria impedir que ele cometesse um crime caçando em sua floresta.

A culpa era dele sim e ponto final. Homem odioso!

Deidra socou, frustrada, a terra no mesmo momento em que as moitas de frente para ela se agitaram. Ela tentou se afastar, mas a armadilha a mantinha presa no lugar, então só pôde assistir com olhos arregalados e cheia de pavor ao que se seguia.

Primeiro um focinho escuro e peludo surgiu, farejando, depois olhos pequenos e brilhantes... e logo o corpo enormemente forte do javali, com presas igualmente grandes. Ele não pareceu feliz em ver a princesa em seu território. Abaixou a cabeça pronto para investir e, curiosamente, o provável último pensamento de Deidra era o de ter falhado, não conseguiria chegar a tempo de deixar Embarr em segurança.

A princesa fechou os olhos, jamais imaginando que morreria daquela forma, prendeu a respiração ao ouvir o guincho forte do animal. Ela se preparou para receber o impacto... mas nada aconteceu. Deidra abriu os olhos muito lentamente, só para se deparar com os olhos pequeninos fitando-a sem vida.

O corpo do javali estava de frente para ela, tinha sido pego no momento em que abrira a boca para investir contra a princesa com as presas, havia uma lança atravessada o seu pescoço e logo o dono dela se fez presente. Alto e imponente, terrivelmente intimidador, o príncipe surgiu em seu cavalo negro agitado.

Deidra piscou aturdida.

— Ora, ora Meia Noite — ele deu um tapinha gentil no pescoço do garanhão negro. — Parece que capturamos duas presas — comentou com um sorriso debochado, indicando a perna de Deidra.

— Você não devia estar aqui — ela murmurou se encolhendo, tentando encobrir a perna exposta.

Daren arqueou uma sobrancelha.

— Eu poderia dizer o mesmo — ele apeou com facilidade, permitindo que Meia Noite se afastasse do javali. O cavalo era jovem e ainda não estava acostumado com as caçadas impiedosas de seu dono, muito menos com as feras que ele gostava de enfrentar. Era por isso que Daren preferia Sangue, um cavalo mais maduro, já acostumado com qualquer investida. — Vamos tirá-la daqui antes que tenha o mesmo fim do porco — ele comentou abaixando-se e, ignorando deliberadamente o gritinho de protesto, ergueu o vestido de Deidra até a coxa, analisando o ferimento com um olhar crítico.

— Como ousa? — ela arfou, enrubescendo.

Obrigado é a frase certa a ser usada no momento — ele respondeu, girando o tornozelo dela de um lado para o outro e forçando a armadilha para liberá-la. — Você vai mancar por alguns dias, exatamente como meu cavalo — Daren suspirou. — O que há com o seu reino que faz as criaturas terminarem mancando?

A resposta que Deidra pretendia dar ficou presa na garganta, pois de repente todos os seus nervos estavam ligados no dedo traçando círculos em sua pele, na mão quente acariciando lentamente sua perna enquanto a movia para ver o estrago como um todo. O toque do príncipe parecia chegar até a alma dela, embora não devesse.

Ele a despertava de um jeito absurdamente proibido.

— Se me soltar, Majestade, tenho certeza de que consigo voltar para casa sem estragar sua caçada. — Ela se forçou a dizer, tentando tirar a perna das mãos dele, sem sucesso algum. O aperto dos dedos do príncipe tornou-se mais firme, mais poderoso até mesmo que a armadilha de ferro e Deidra arrepiou-se toda quando ele a puxou pelo pé para mais perto dele.

Ela gritou.

— Pare quieta, vai acabar piorando o estrago — Daren resmungou, erguendo-a como se carregasse um troféu de batalha, faltando apenas jogá-la sobre o ombro. Com um assovio, fez Meia Noite se aproximar de novo e a colocou sobre a sela.

— Eu disse que podia voltar sozinha! — Deidra resmungou, endireitando-se enquanto o cavalo negro rodava no lugar.

— Você seria devorada por um lobo antes de se arrastar até a metade do caminho.

— Não temos lobos aqui!

— Eu não pagaria para ver. Agora pare de reclamar! — ele ordenou como faria com um servo, acrescentando em seguida. — Eu a levo de volta... — Talvez percebera que foi rude demais com a jovem princesa, então usou um tom mais ameno na voz.

Daren tinha seus momentos, embora fossem bem raros.


Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora