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Seus pés quebravam gravetos e folhas secas e quando um galho mais grosso estalou, Deidra deu um salto para frente tropeçando em algo macio. Não fazia cinco minutos que tinha terminado de atravessar as escadas e alcançado a floresta, era impossível já ter se metido em problemas!

Uma figura miúda, em um manto marrom, levantou-se do meio das raízes, saudando Deidra de forma cordial, à parte dos gritos do torneio que chegava até eles.

— Padrick! — Deidra ofegou encarando o druida. — Quase me mata do coração!

— Ora, quem não tem dívidas, não tem medo da cobrança, princesa — ele respondeu com sua cordialidade perspicaz, seu sorriso sereno dizendo que entendera tudo. — O que faz aqui na floresta enquanto o torneio acontece na fortaleza?

— Eu que pergunto o que você faz aqui — ela rebateu, tentando demonstrar tranquilidade... e falhando miseravelmente.

— Eu sou um druida, princesa, na floresta estou em contato com os deuses, rogo proteção para o povo, a grande mãe nos ouve melhor daqui. Já você...? — e lhe devolveu a pergunta com um arquear de sobrancelhas.

Deidra mordeu os lábios.

— Não posso encontrar meu pai agora — despejou. — Preciso sumir durante esse torneio. Juro que não aconteceu nada grave — ela apressou a explicação antes que o druida começasse a pensar bobagens. — Eu só... preciso de um tempo. Para nossas cabeças esfriarem.

Ela não tinha dito a cabeça de quem, exatamente.

Quem sabe, durante o torneio, alguém bem que poderia nocautear Daren, não? Embora fosse horrível da parte dela pensar esse tipo de coisa. Deidra fitou a floresta escura atrás de Padrick, fazendo uma breve oração aos deuses, pedindo desculpas.

— Posso contar com sua discrição? — ela se adiantou, segurando as mãos do druida.

— Você nunca deu motivo para desconfiarmos de você, princesa, jamais desobedeceu a alguma ordem de seu pai, por isso vou deixar que se safe hoje, independente do que tenha acontecido. Mas se você não aparecer até a lua subir no céu esta noite, irei direto falar com o rei, fui claro?

Padrick era sério o suficiente para fazer exatamente o que dizia, independente se o rei fosse enforcá-lo por ter deixado a filha fugir, mas Deidra iria voltar antes da lua pintar no céu.

Ela assentiu, passando apressada por Padrick depois de lhe dar um abraço — deixando-o completamente desconcertado — e ser prontamente envolvida pela floresta densa.

Havia um lugar quase no coração na mata onde, na época dos primeiros reis antes da grande guerra, os antigos haviam construído uma fortaleza que desaparecera junto deles com o tempo. A floresta tomara todo o castelo, engolindo-o e levando-o para as profundezas da terra, em um lugar inalcançável. Pelo menos era o que os contadores de história diziam. Mas Deidra, que costumava perambular pela mata, sabia que restara um único e último vestígio da passagem desse povo antigo e de seu castelo de contos de fada: o poço.

Ele era feito de pedra branca — ou pelo menos um dia devia ter sido branca, embora agora estivesse amarelada e gasta pelo tempo — e até onde ela sabia, era encantado.

Deidra passou por jacintos e margaridas, por prímulas e campânulas e quando enfim as primeiras papoulas avermelhadas começaram a brotar no caminho, soube que estava perto. O poço ficava depois da clareira daquelas flores, na parte mais profunda da floresta.

Quando atravessou a última barreira que a impedia de vê-lo por causa dos arbustos baixos de folha escura, Deidra se deparou com a criatura que bebia da água do poço. O unicórnio não a tinha visto, era pouco mais alto que o poço e bebia com tranquilidade das águas límpidas que nunca secavam. Ele era tão lindo... Mas quando Deidra abriu passagem entre os galhos finos do espinheiro, um deles estalou e o unicórnio ergueu a cabeça assustado, sumindo entre as sombras das árvores gigantescas.

— Não vá! — ela chamou, mas ele não voltou.

Terminando de atravessar o curto espaço que a separava do poço, ela observou seu reflexo na água ainda agitada, as pequenas ondas causadas pelo unicórnio a beber. Uma libélula pousou perto de sua mão. A floresta reluzia em suas asas como magia, um encanto sutil e frágil.

Deidra tirou a capa, depositando-a ao lado do poço e deitou sobre ela, observando as copas verdes, os pequenos vislumbres de céu entre as folhas, a serelepe borboleta azul. Ouvia o zumbido das abelhas, a melodia dos pássaros desconhecidos. Ali ela podia ficar em paz e talvez, com um pouco de sorte, pudesse rever o unicórnio.

Ali, Deidra pensou, príncipe algum podia encontrá-la. Estava em seu santuário.


Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora