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— Esta é a história do brasão real de uma dama cuja origem remonta aos deuses e aos primeiros reis — anunciou Padrick, sua voz ganhando a noite. — E ao povo muito, muito antigo... Era uma vez o senhor das águas, que se chamava Manannán Mac Llyr. Ele era um dos senhores do Outro Mundo, aquele cujos portais se abrem para além das florestas e nas nascentes dos rios. Manannán certo dia criou da espuma do mar, das ondas e do vento, um garanhão; branco como a espuma, rápido como o vento e carregando o azul do mar nos olhos, para que jamais esquecesse sua origem. Seu nome era Embarr, da crina flutuante. — Quando Padrick parou um instante para bebericar sua água, Deidra imaginou o belo cavalo na floresta, igual ao da história, o que a fez sorrir involuntariamente. Padrick se ajeitou e continuou. — Ele podia atravessar qualquer fronteira, habitar este ou o Outro Mundo, podia fazer qualquer coisa que seu senhor pedisse.

"Acontece que Manannán tinha uma filha, chamada Níamh, uma donzela que vivia na corte das fadas no Outro Mundo e que adorava cavalgar Embarr, mas que se apaixonara por um homem mortal. Ela o levara para seu mundo, para a terra dos sempre jovens, e com ele se casara... Mas Oisín não podia viver lá para sempre, então quando ele voltou para casa, trouxe consigo o cavalo encantado de Manannán, um presente de sua amada, do qual jamais devia descer para que nunca perdesse o encanto que Níamh lhe dera; a eterna juventude, uma vez que 300 anos já haviam se passado desde que ele a seguira. Um dia, porém, Oisín caiu de Embarr e o feitiço se desfez.

"Velho e com o peso de 300 anos nos ombros, os filhos dele e de Níamh vieram ajudá-lo, deixando o Outro Mundo para trás. A Embarr, da Crina Flutuante, Manannán ordenou que cuidasse de Oisín e seus herdeiros até o último de seus dias, para que Níamh fosse feliz. Assim o garanhão fez, observando sempre de longe os filhos dela e os filhos dos filhos. Conforme a história foi sendo contada, primeiro pelos filhos de Oisín, depois pelos filhos dos filhos dele, e assim por diante, criou-se como símbolo da família o cavalo branco em um fundo azul como o mar, pois ele sempre os acompanhara e, às vezes, alguém conseguia ter um vislumbre do cavalo encantado na floresta.

"Por isso — e naquele ponto o druida parecia estar falando diretamente para Deidra. — Não se impressionem se, andando por estas matas, vocês avistarem um vulto branco a correr; é ele. O cavalo branco de Níamh, encantado e selvagem. E se ficarem na praia até quase o amanhecer, talvez tenham a sorte de vê-lo entrando no mar, onde pode visitar Manannán e Níamh, e matar a saudade de casa".

Pelo canto dos olhos, Deidra viu a mãe sentada ao lado de seu pai, entrelaçando seus dedos com os dele. Parecia fazer muito tempo que o rei se apaixonara perdidamente a ponto de trocar seu próprio brasão em favor do dela, o do cavalo branco, o mesmo que diziam ser a herança dos tempos de Oísin.

Deidra suspirou, se perguntando se veria Embarr mais uma vez. Foi quando algo chamou sua atenção. A princípio ela não tinha reparado, mas então se deu conta de que o príncipe Daren estivera sentado exatamente onde ela deveria estar sentada, ao lado dos monarcas, no lugar de honra. Ela não gostou disso.

Seu pai, sua mãe e Daren.

O quão perto poderia estar de tornar verdadeira aquela historia jocosa sobre desposá-la? A possibilidade de Daren não estar brincando a fez tremer, então deliberadamente virou o rosto para o outro lado, como se pudesse apagar o príncipe de sua memória com o mero gesto.

Padrick deixou a harpa de lado, que usava algumas vezes para dar um tom encantado à narração, aceitando uma caneca que lhe foi oferecida. O restante dos homens parecia estar absorvendo a grandiosidade da história quando Daren irrompeu em risadas.

"É claro que ele ia interromper", Deidra pensou aborrecida.

— Não acredito que estou aqui ouvindo um conto de fadas sobre uma princesa, amor e cavalos brancos, por favor! Pior, cavalos brancos encantados! Vocês vão precisar me embebedar mais se querem que eu ouça esse tipo de história...

Deidra quis fulminá-lo com o olhar, já que não podia falar o que realmente pensava do príncipe, mas Padrick veio em seu socorro. Ele arqueou as sobrancelhas muito calmamente, indagando:

— Que tipo de história agrada ao príncipe então? Se quiser compartilhá-la conosco... — O druida fez um gesto amplo com o braço, abarcando todos ao redor da fogueira.

Daren deu de ombros.

— Não sou um homem de histórias, não acredito em fantasias — ele se espreguiçou, colocando-se em pé. — Mas acredito em caçadas, em aventuras de verdade. Procure-me amanhã à noite e eu poderei contar em detalhes o destino de certo javali que dizem morar aqui nas redondezas.

E os homens aplaudiram o príncipe com entusiasmo.

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora