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A cozinha estava quente, abafada, abarrotada como se todos os serviçais tivessem se reunido ali — o que talvez tivesse acontecido mesmo a julgar pela quantidade de gente espalhada no salão.

De hora em hora, um batalhão de criados deixava a cozinha carregado de bandejas de comida e bebida para atender aos convidados, enquanto outro batalhão voltava com bandejas, travessas e jarros vazios. Todos eles passavam por Deidra sem lhe lançar mais que um olhar curioso e sem parar.

Perto da fornalha, encolhida como se quisesse se tornar invisível, Deidra espiava pelo vão da porta sem perder um detalhe. Ela nunca tinha participado da festa de recepção, só da festa de abertura do torneio, no dia seguinte, durante a luz do dia, que acontecia geralmente no campo, onde tendas eram montadas. Antes ela não entendia o porquê de não ser chamada para essa comemoração, ou mesmo sua mãe, que sempre se retirava cedo naquelas ocasiões, mas olhando agora, Deidra percebia que não havia outras mulheres. Pelo menos nenhuma que não fosse uma criada e elas pareciam estar sendo servidas junto com as bandejas.

Ela arregalou os olhos e tapou a boca para esconder um arquejar quando viu uma criada miúda ser apalpada por um dos guerreiros. O homem em questão tinha a mão cheia no traseiro dela, enquanto pegava um dos copos que ela ofertava. Ao mesmo tempo, outro homem curvou-se para se servir e deixou a mão pousar no seio dela, distraidamente, antes de recuar sem pressa. A mulher não parecia não estar gostando daquilo, exatamente, mas Deidra estava horrorizada.

Porém, não conseguia desviar o olhar.

Ela piscou, sentindo os olhos arderem pelo calor e por estarem tão arregalados. Olhou ao redor, certificando-se de que ninguém reparara nela, então abraçou-se indefesa, sentindo o tecido áspero do vestido rústico. E se fosse ela lá no salão? E se estivesse lá, entregue aos lobos? O pensamento fez um arrepio percorrê-la.

As criadas pareciam saber o que estavam fazendo, sabiam como lidar com os homens, mas e ela? Eles iriam devorá-la!

Amedrontada, Deidra apalpou os cabelos chamativos agora ocultos pela touca, sentindo-se ligeiramente melhor. Não a descobririam ali, aliás, ela já deveria estar voltando para a segurança de seu quarto, já vira o que queria ver...

Foi quando a música parou e a curiosidade a forçou a continuar espiando.

As portas duplas que levavam ao salão foram abertas com brutalidade, batendo nas paredes de pedra e ecoando como uma explosão. O par de cães do rei ganiu, inquietando-se ao lado do tablado em que o monarca permanecia. Os músicos — que até então cantavam canções ousadas — pararam, os instrumentos foram baixados lentamente enquanto encaravam, embasbacados, a porta. Deidra acompanhou seus olhares, aproximando-se mais para conseguir enxergar melhor.

Quatro cães de pelo curto e escuro, do tamanho de bezerros, adentraram o salão farejando, rosnando e babando, arrastando consigo o guerreiro que tentava segurá-los pela guia. No meio da porta e descendo lentamente os degraus de pedra, estava o homem mais imponente que Deidra já vira.

Ele era alto, muito alto, com ombros largos e cabeleira loira; selvagem. Seus olhos claros analisaram friamente a multidão calada antes de avançar os passos que o separavam do rei e postar-se em frente ao tablado. O sorriso que lançou ao rei parecia antes de escárnio do que de respeito e camaradagem, mas o homem curvou-se em um cumprimento. O joelho esquerdo dobrando-se ligeiramente, quase como se fosse tocar o chão. Quase. Então ele se endireitou e com uma mão apoiada languidamente na espada presa pela bainha em seu quadril, fez um gesto para que seus homens se aproximassem.

— Só para anunciar que o príncipe Daren de Dalriada está aqui — ele comentou em voz alta e grave, repercutindo pelas paredes do salão.

Deidra não conseguia sequer piscar. De onde tinha surgido aquele... aquilo?


Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora