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Ele era lindo, magnífico, Daren não podia negar, não era cego para as belezas do mundo, embora isso não o impedisse de tomá-las se quisesse. O garanhão era enorme e como que para contradizer o que dissera para a princesa há pouco, era o cavalo mais forte em que já colocara os olhos, e ainda era branco e com olhos claros. A completa exceção de tudo o que havia dito.

Seu pelo brilhava como se fosse feito de luz ou prata líquida e em sua expressão havia inteligência, uma inteligência fora do normal. Daren quase ousava dizer que estava desafiando-o. O garanhão virou até encará-lo, o pescoço grosso arqueado, os músculos tensos, pronto para fugir, mas parou um instante para mirá-lo nos olhos.

O príncipe sentiu um choque percorrê-lo dos pés a cabeça, uma conexão única com aquilo que via nos orbes azuis que o encaravam de volta, como se cavalo e homem fossem feitos da mesma matéria, compartilhassem o mesmo sentimento, o mesmo destino e estivessem jogando o mesmo jogo.

Susto e medo substituíram o choque do momento. Daren disparou a flecha ao mesmo tempo em que o cavalo começava a saltar para longe, erguendo-se nas patas traseiras. A mira não era para matar, Daren queria cansá-lo, tirar-lhe a velocidade e poder de luta, um cavalo raro e selvagem sob sua sela valeria muito mais do que qualquer um dos seus outros garanhões, até mesmo mais que Sangue e Meia Noite.

— Besta estúpida! — Daren rangeu os dentes ao ouvir o relincho ferido, vendo o sangue correr sobre o pelo branco. Mirara o dorso, onde a flecha não conseguiria cravar fundo e pouco estrago faria, mas o cavalo erguera-se de modo que o disparo o acertara no peito. Não fundo suficiente para lacerar o coração, se não ele já estaria deitado, mas o suficiente para causar um estrago que o levaria a morte mais cedo ou mais tarde.

Porém sua rapidez não tinha sido prejudicada, mesmo ferido o animal correu floresta adentro, mesclando-se às sombras até os olhos humanos de Daren, desprovidos de poder, perderem seu rastro.

***

Embarr sentia a dor mortal irradiar por seus músculos, mas era uma criatura de Manannán e nenhuma arma humana poderia matá-lo. O que, obviamente, não diminuía sua dor e tampouco o defenderia se caísse e fosse alcançado pelo humano. Uma vida de servidão não valia como pagamento por sentir o vento em sua crina enquanto fugia das armadilhas.

Aos ouvidos atentos, e poucos eram, era permitido ouvir dos confins da floresta o ressoar das vozes encantadas, baixas e melodiosas, que guiavam o caminho dos puros de coração à morada dos deuses. Com ouvidos atentos, Embarr deixou para trás o humano, apressando-se para estar sob a proteção do deus da floresta, o único que poderia curá-lo enquanto não conseguisse voltar para casa. Se o humano não tivesse ficado em seu caminho, Embarr teria mergulhado rumo ao portal e sumido nas águas, mas correndo o risco de ferir-se gravemente, perder as forças e ser capturado, optou por fugir rumo ao santuário seguro de Cernunnus.

Havia um pinheiro, um freixo, um carvalho e um salgueiro, e no meio deles as ruínas do castelo do povo das fadas se erguiam minguadas, mas cheias de poder.

Embarr diminuiu a velocidade avistando o poço encantado cujas águas curavam qualquer mal. Ele mergulhou o focinho no poço de pedra clara, sorvendo o máximo que conseguiu antes dos joelhos dobrarem involuntariamente, derrubando-o na grama.

Sob o freixo, o que parecia ser um espinheiro se moveu, desdobrando-se até revelar o corpo misto de humano e cervo do deus da floresta.

Ele se aproximou de Embarr e tocou o cavalo com delicadeza, removendo a flecha. O sangue ainda corria, mas o alívio tomou o corpo trêmulo de Embarr.

— Graças aos deuses o encontrei! — Quando a voz chegou até ele, Cernunnus já tinha desaparecido entre a folhagem como se na verdade fosse parte dela.

A princesa surgiu por entre as flores, pálida e com dificuldade para andar, mas tinha chegado até ali por causa dele, como se devesse protegê-lo. Justo ele, que na verdade deveria protegê-la e a toda sua família desde Oisín e Níamh. Deidra aproximou-se, caindo de joelhos ao seu lado, os dedos delicados tocando-lhe a crina.

— Ele o feriu...

Ela parecia prestes a chorar. Embarr lambeu a mão dela como que para reconfortá-la, nenhum mal permanente aconteceria a ele, era imortal, uma criatura de Manannán.

— Parece que ninguém consegue sair ileso de um encontro com o Sem Coração — ela fungou, erguendo-se para encher uma das mãos com a água do poço que usou para limpar a ferida da flecha. A água encantada aliviou a dor, mas agia devagar.

A princesa ainda estava lavando a ferida quando o unicórnio apareceu.


Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora