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— Não estou me sentindo muito bem — ela repetiu, não pela primeira vez, puxando as cobertas acima da cabeça, como se pudesse ficar escondida na cama pelo resto do torneio.

Deidra podia sentir a presença da mãe e da ama ao seu lado, avaliando-a. Os dedos delicados da rainha passearam pelas cobertas, puxando-as para baixo até que os olhos azuis da princesa aparecessem pela fresta.

— Você nunca perde o torneio — comentou a rainha, verdadeiramente preocupada, uma mão indo ligeira até a testa da filha. — Não me parece que tem febre — ela observou. Por sobre o ombro da mãe, Deidra via a expressão de repreensão da ama, a única que talvez tivesse alguma noção do mal que abatera a princesa subitamente.

— Só preciso descansar mais um pouco — Deidra forçou uma tosse.

— Deixe-a, Alteza — disse a ama. — Eu farei uma chá reforçado para a princesa com um de meus tônicos. Em breve ela estará pronta para descer. Não se preocupe, tenho certeza de que não passa de um mal passageiro.

A rainha ainda não parecia convencida, mas confiava na ama, que cuidara de seus filhos a vida toda, tornando-os fortes como touros, e acabou assentindo. Quando a porta se fechou atrás dela, Deidra sentou-se na cama.

— Não posso descer! — ela anunciou com uma voz estrangulada enquanto a ama imediatamente a fuzilava com um olhar acusador.

— O que foi que você aprontou?

Deidra apertou as cobertas.

— Não foi por mal, eu juro — choramingou. — Foi um acidente, nem sei como aconteceu! — Só de se lembrar do príncipe e de sua proximidade, de suas palavras duras e seu hálito quente, ela sentia as bochechas enrubescerem. Não podia ficar cara a cara com ele de novo nem em mil e quinhentos anos! Ele a reconheceria, seria seu fim. — Alguém me empurrou para o salão — Deidra gemeu. — Me confundiram com uma criada e, ama — ela sussurrou, inclinando-se para a mulher que agora tinha uma expressão horrorizada. — Derramei cerveja no príncipe!

Deidra terminou o relato com um gemido de apreensão. As bochechas ardendo. A ama ficou pálida e precisou se sentar aos pés da cama.

— Que príncipe? — sussurrou. — Dependendo de quem for, podemos consertar rapidamente o estrago. Talvez ele sequer se lembre, tinha tantas meninas na cozinha ontem... — a ama acrescentou pensativamente.

— Não acho que ele é alguém que esquece qualquer coisa.

O olhar da ama se estreitou.

— Em que príncipe você esbarrou, princesa?

— Príncipe Daren — Deidra respondeu baixinho, mas mesmo assim a ama empalideceu mais.

— O Sem Coração? — ela arfou.

— Foi muito ruim, não foi? — A princesa voltou a choramingar. — Ele com certeza vai me reconhecer, o rosto dele estava aqui em mim — ela exemplificou onde Daren estava, erguendo uma mão e levando para a lateral da cabeça. Aproveitou o movimento para puxar os cabelos. — Ah, ama, sou tão azarada... ele vai contar ao papai e nós duas vamos terminar mal, muito mal!

A ama se ressabiou, pulando da cama e ajeitando o avental.

— Não! — ela bateu o pé. — Nós não vamos nos deixar intimidar por esse homem, de jeito nenhum!

— Ele é o Sem Coração! — Deidra quase gritou. Não sabia o porquê de o príncipe ter aquele nome, mas não precisava ser muito esperta para descobrir. Era bastante indicativo. — Ele vai devorar nosso coração num espeto...

— Chega de bobagens, Deidra! — A mulher parecia ter recuperado todo o autocontrole, embora continuasse um pouco pálida. — Ele estava bêbado como todos os outros. Se você descer e agir como a princesa que é, ele jamais ligará a imagem de uma criada desastrada com a sua bela figura. Na verdade, a memória da criada que derrubou cerveja deve ter ido embora enquanto ele tomava banho noite passada.

Bem, talvez. Ou talvez não. Talvez isso tivesse feito com que ele pensasse ainda mais na ratinha em que ele queria dar um banho de... de alguma coisa, para compensar a cerveja derramada. Ele poderia ter ficado lá a noite toda, na banheira, imaginando mil formas de torturá-la, alimentando o rancor no coração que não tinha.

Deidra devia ter feito uma expressão muito ruim, pois a ama parou a meio caminho da porta, fitando-a demoradamente.

— Não há mais nada que você não está me contando, certo, princesa?

Deidra ergueu o olhar, que momentaneamente tinha ficado perdido entre o bordado de abelhas de suas cobertas. Ela tinha certeza de que a culpa estava estampada nela.

— Deidra... — ameaçou a ama.

— Eu posso ter batido nele — ela despejou rapidamente, em um fôlego só. — Eu precisava sair dali e ele estava me segurando!

Mas a ama apenas fechou os olhos e levou uma mão a cabeça, deixando o quarto sem dizer mais nada. Deidra não gostou daquilo.

Lá fora, o Sem Coração a esperava em algum lugar. Sempre à espreita. 

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora