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"A donzela chorou quando o ouviu,

Quando ele disse que iria libertá-la,

Ele pegou seu machado e o usou

para derrubar sua árvore antiga,

'Agora seu salgueiro está caído,

Agora você pertence a mim.'"

— (Erutan; trecho da canção The willow maid).



A princesa debruçou-se na janela do alto da fortaleza sob o Sol quente da primavera que se avizinhava. Os campos enchiam-se de vida, um prenúncio do torneio dos aliados de seu pai que acontecia todo ano, naquela mesma época. Ela estreitou os olhos em busca das tropas, mas não havia nada irrompendo o horizonte.

— Serão muitos este ano? — ela perguntou para a ama, a mulher que naquele momento esticava seu melhor vestido. A princesa olhou por sobre o ombro, buscando a figura rechonchuda ao ouvir seu fungar de reprovação.

— Haverá homens o suficiente para seu pai casá-la, se é o que quer saber — comentou de mau humor, lançando um olhar fulminante ao tecido, provavelmente imaginando o rei. Com isso ganhou uma risada melodiosa da jovem princesa.

— Ele quer mesmo me casar — ela voltou a encarar o exterior pela janela. Não era contrária a ideia de se casar, diferentemente da ama que sempre a veria como uma menininha. Casar era o que todas as mulheres faziam, não? Ela só esperava que seu futuro noivo fosse alguém... especial. Particularmente guardava alguns palpites de quem seria o escolhido de seu pai, mas não tinha como se certificar e era tímida demais para dar sua opinião.

A ama deixou a arca com as roupas, indo postar-se ao seu lado, e a princesa sentiu o toque delicado dos dedos dela em seu cabelo, penteando-os lentamente.

— Você é muito jovem, Deidra — comentou.

Para aquilo não havia resposta. Mas não eram todos muito jovens um dia, até que se tornassem sábios demais para seu próprio bem?

Deidra era resignada, acreditava que a vida tinha um curso a seguir, que o destino tecia teias que nenhum mortal podia romper. Ela esperava encontrar o destino que os deuses haviam traçado para ela muito antes dela sequer ter nascido.

A ama, que se entretinha em um silêncio cheio de palavras não ditas, terminou de trançar os cabelos avermelhados da jovem e bateu as mãos no avental.

— Não devia ficar aí olhando para o nada — censurou. — Por que não toca sua harpa ou termina seu bordado?

Deidra suspirou. Já tinha tocado aquela manhã, então estendeu a mão para a tapeçaria rebuscada em que vinha trabalhando nos últimos meses. Era a peça de seus sonhos, havia começado a trabalhar nela desde que o pai tornara-se mais rigoroso, não permitindo que saísse tanto da fortaleza. Ele dizia que ela estava bonita demais, atraindo os olhares alheios; um risco para si mesma.

Ela fez uma careta, puxando agulha e linha. A ama deixou os carretéis coloridos ao seu lado; verde para a floresta profunda, negro para os mistérios do bosque, azul para água... branco para os unicórnios bebendo da fonte. O símbolo sagrado da floresta, como dizia o druida de seu pai.

Deidra já os tinha visto uma vez bebendo no riacho e no poço encantado, mas era seu segredo, jamais compartilhara com ninguém, tampouco pretendia fazê-lo. Gostava de pensar que era um dom que apenas ela possuía; chamar os unicórnios para si. Embora, é claro, supostamente qualquer donzela pudesse fazê-lo. Se nunca se casasse, pensava Deidra — o que era bastante improvável — a razão disso seria unicamente para poder ver as criaturas sempre que quisesse.

Mas ela sabia que isso não aconteceria.

A agulha escapou de sua mão, furando a ponta do dedo indicador, que ela levou à boca. O unicórnio em que vinha trabalhando na tapeçaria se manchou de vermelho, um mau pressagio, e ela esticou a mão em busca de um retalho que pudesse embeber em água para limpar, mas quando se virou, seus olhos alcançaram a janela, avistando ao longe os cavaleiros convocados por seu pai.

— Eles chegaram! — ela anunciou com o coração acelerado.

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora