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Uma caçada! Ali, em sua casa, em sua floresta! Deidra não conseguiu sequer dormir tentando imaginar qual dos animais pereceria sob a ira sem fundamento dos homens do Sem Coração. O que seu pai tinha na cabeça soltando uma fera sanguinária daquelas em sua floresta?!

Ela se forçou a parar de andar de um lado para outro do quarto, aquilo não a ajudaria em nada. Lá fora, já quase amanhecia, o céu aos poucos começava a ganhar um tom pálido de cinza, se quisesse fazer algo tinha que começar saindo dali. Embora na verdade não houvesse nada a fazer. Era tarde para reclamar com o pai e praticamente impossível prender todos aqueles homens eufóricos dentro do castelo. Ela vira o brilho febril em seus olhos enquanto seguiam Daren como lobos famintos, completamente esquecidos do encanto e da magia proporcionados por Padrick e sua bela história sobre o cavalo branco.

O cavalo branco!

Deidra voltou a andar de um lado para outro, preocupada. Embarr estava lá, fosse por motivos lendários — como sugeria a história de Padrick —, fosse por mera coincidência, aquela criatura incrível estava lá à deriva. No meio de uma caçada! Pior, no meio de uma caçada liderada pelo Sem Coração, famoso por não deixar nada passar impune. Ou vivo.

Ela tinha que fazer alguma coisa!

É claro que não deixou de se sentir parcialmente tola por estar temendo pela vida de uma criatura criada a partir das ondas e que atravessava portais, mas, por outro lado, podia bem ser verdade que aquele cavalo, apesar dos sonhos de Deidra, era apenas um animal comum perdido e ela odiaria vê-lo nas mãos cruéis do príncipe.

Jogando a capa sobre os ombros, Deidra deixou o quarto pela passagem secreta. Àquela altura, depois da bebedeira da noite anterior, ninguém estava em pé ainda, de modo que pôde esgueirar-se para a floresta sem se preocupar em ser interceptada.

Em sua pressa, ela não viu os olhos que a seguiam.

Devia ter sido mais atenta.

***

Ele tinha acabado de erguer o rosto para o ar frio do amanhecer, deixando a água escorrer por seu pescoço e para dentro da camisa. Daren respirou fundo, despertando. O castelo ainda estava em silêncio absoluto, ninguém acordaria tão cedo depois da festa... mas não ele. O caçador sempre acordava antes do Sol, no momento em que as presas menos esperavam.

É claro que ele não estava caçando ninguém naquele momento, mas ainda assim o hábito persistia. Daren despejou o restante da água na grama e lançou de volta ao poço o balde, despertando Meia Noite, que cochilava tranquilamente próximo a cerca. O cavalo bufou para ele, bocejando, enquanto o príncipe ia para o interior do estábulo onde Sangue se encontrava. O segundo melhor cavalo do príncipe, e seu favorito, perdera uma ferradura quando enfrentaram os lobos a caminho do castelo e se ferira. Agora mancava alarmantemente e não poderia ser usado por um bom tempo.

Com um muxoxo de desgosto, Daren inspecionou a pata ferida jurando que daria uma sova no responsável — ou irresponsável — por trás daquela ferradura mal colocada.

— Está tudo bem, meu senhor? — perguntou sonolento um de seus homens que ficara encarregado de cuidar dos animais. Daren virou-se para o homem, nada animado.

— Estaria bem se meu cavalo estivesse em perfeito estado — respondeu, rascante.

— Ah — gaguejou o homem. — Quanto a isso, Faris disse que em uma semana deve estar bom, não foi um machucado grave, só um... mau jeito — ele se encolheu diante da expressão do príncipe. — Faris vai trocar a ferradura. Ele mandou Baird ferrar os cavalos dois dias antes da viagem, não era para ter acontecido isso.

As sobrancelhas de Daren arquearam subitamente, deixando-o com uma expressão assustadora. Imediatamente o homem soube que falara a coisa errada. O cavaleiro deu um passo para trás com a garganta seca. Ninguém queria despertar a fúria do Sem Coração.

— Quem é Baird? — perguntou secamente o príncipe.

— O garoto dos estábulos — respondeu o homem, com um fio de voz. — Criado do senhor.

— E ele é ferreiro? — A mão de Daren se fechou em punho.

— N-não, senhor, mas o pai dele parece que era e...

— Quem eu pago para ser meu ferreiro? — Daren o interrompeu, puxando-o com uma mão pela camisa.

— F-Faris — o homem agora estava lívido de medo.

— E Faris é o pai dele?

— Não, senhor.

Daren empurrou o homem para longe, derrubando-o sobre o feno — em um ato de súbita gentileza, poderia se dizer.

— Então eu não quero esse Baird — falou com desdém —, independente de quem seja, colocando as mãos nos meus cavalos, fui claro? Diga a Faris que se continuar relegando suas funções a terceiros, logo não terá mais função alguma! — Daren virou-se furioso, partindo com passadas largas. Odiava que seus homens fizessem coisas erradas e principalmente coisas que ele não tinha ordenado que fizessem.

No exato momento em que deixou o estábulo, sendo imediatamente envolvido pelo ar frio que serviu para abrandar suas emoções, um vulto chamou-lhe atenção. Um vulto que teria passado despercebido a um homem comum, mas não ao Sem Coração.

Pelo canto dos olhos, ele seguiu a figura a deslocar-se para dentro da floresta. E no instante antes dela sumir, virou-se a tempo de ter um vislumbre de cabelos ruivos.

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora