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Deidra piscou.

A cama estava vazia.

Revirada, com os lençóis jogados para o lado e a meio caminho do chão, longe do estado em que ela normalmente deixava suas coisas, mas ainda assim estava vazia. Por um instante, ela pensou que talvez estivesse alucinando, mas então relaxou a expressão, decidindo que se preocuparia com isso depois.

Ela se voltou para a ama com um largo sorriso.

— Viu? Não há nada aqui!

A ama estreitou os olhos, fez um muxoxo e deu-lhe as costas.

— Mas não pense que não vou ficar de olho, princesa.

— Fique a vontade, não tenho nada a esconder — Deidra deu de ombros, colocando a bandeja sobre sua penteadeira. Caminhou até a porta e espiou a mulher desaparecer no final do corredor antes de voltar a passar a chave na fechadura.

Foi quando virou-se de frente para a cama, perguntando-se o que teria acontecido com Daren, que ele surgiu da escuridão logo a seu lado.

Deidra berrou e ele correu para calá-la.

— Por todas as maldições, quer que o seu pai venha aqui pessoalmente? — ele sussurrou contra o ouvido dela antes de soltá-la. Então se precipitou até a bandeja de comida e passou a fuçá-la sem modo algum.

Deidra levou uma mão ao peito, sentindo o coração descompassado. Recostou-se na porta fechada.

— Achei que tudo tivesse sido um sonho...

— Um sonho maravilhoso — resmungou Daren, apontando para si mesmo descuidadamente, mastigando alguma coisa da bandeja.

Deidra rolou os olhos, sentando-se na beirada da cama.

— Preciso falar com você — ela anunciou, unindo as mãos sobre os joelhos cruzados.

Daren virou-se para ela não muito interessado, mordendo uma maçã. Deidra assistiu ligeiramente hipnotizada enquanto o suco da fruta escorria pelo queixo dele, então pelo pescoço e peitoral sem camisa. Peitoral este que ela havia tocado algumas horas atrás. A gota rebelde não continuou descendo, mas o olhar dela sim, até chegar à trilha de pelos loiros logo abaixo do umbigo, que sumia dentro da calça preta.

— Meus olhos ficam um pouco mais para cima — Daren pigarreou com um sorriso zombeteiro, fazendo-a sobressaltar-se. — Geralmente gosto de ter conversas do tipo olho no olho, mas claro, fique a vontade para olhar na direção que mais a interessar.

— Me interessa, príncipe Daren, falar sobre o que aconteceu hoje na floresta — ela recuperou a compostura, mantendo o olhar fixo no dele.

— Como desejar. Só tenho duas coisas a dizer sobre o incidente; a primeira é que aquele pangaré branco está com os dias contados, se cruzar meu caminho outra vez, descarrego minha aljava no lombo dele. Quanto à segunda coisa... — desta vez, ele foi até ela e sentou ao seu lado, bem perto, de forma que suas pernas se tocaram, e passou o braço bom ao redor dos ombros da princesa. — É você quem tem que me dizer. Fale-me do unicórnio.

— Era exatamente sobre isso que queria falar. — Num instante, ela se pôs de pé.

— Você quer que eu o cace para você? Pode fazer uma estola com o pelo dele...

— Não, seu monstro! — ela bradou horrorizada. — Criatura vil e... e... sem coração!

Ele rolou os olhos.

— Foi extremamente original nos apelidos agora, princesa. Se não quer o unicórnio, então o que quer?

— Que você o esqueça!

Daren ficou imediatamente sério.

— Isso vai ser impossível, minha cara.

— Não sou sua cara, este é meu reino e eu não o quero matando minhas criaturas!

— Então, ele é seu? — Daren arqueou uma sobrancelha loira, irresistivelmente bonito.

— Não, ele é um unicórnio! Se atrai por qualquer moça que seja donzela, mas é um unicórnio que vive em minhas florestas e, portanto, quero-o longe dele.

A voz de Deidra soou firme, mas os pensamentos do príncipe pareciam estar em outro lugar.

— Donzelas, você diz... — ele murmurou.

— Você está me ouvindo?

— Você consegue chamá-lo?

— O quê?! — ela fez uma careta. Estava tentando ter uma discussão séria, mas o homem era impossível.

— Consegue chamar o unicórnio, caso queira vê-lo?

— Não preciso fazer isso, sou uma donzela, eles vem ao meu encontro. Além do mais, já se acostumaram com minha presença na floresta — ela começou a tagarelar, mas lembrou-se do real motivo de estarem ali e avançou para o príncipe com o dedo em riste. — Eu o proíbo de feri-lo dentro de meu território, entendeu bem?

Daren sorriu. Tinha entendido muito bem.

Com a precisão de um bote de serpente, puxou-a pelo braço em sua direção na cama, onde ela caiu sobre ele com os olhos arregalados de susto. Não esperava tal movimento. Daren se aproveitou da situação para rolar sobre ela e beijá-la. Um beijo que donzela alguma poderia se dar ao luxo de experimentar sem se comprometer bastante.

— Eu me lembro de você sabe? — ele sussurrou. — A ratinha da cozinha... — A ponta do nariz dele pairou sobre a pele macia da base do pescoço de Deidra, íntimo e perigoso demais.

A princesa ainda estava entorpecida em demasia para reagir, seu rosto estava quente, assim como todo o seu corpo ao sentir aquele contato mais direto, ela arfava em expectativa com o próximo movimento do príncipe, mas Daren tinha planos.

Ele a fez consciente de todo o seu corpo viril e depois se afastou com a desenvoltura de um garanhão indomável, saindo da cama.

— Como ousa? — ela rosnou, erguendo-se nos cotovelos.

Daren não tinha muita certeza se a princesa se referia à ousadia de beijá-la ou de abandoná-la na metade do caminho. Ele a observou, morrendo de vontade de continuar, querendo tocar o cabelo ruivo rebelde, cascateando pelos ombros, querendo acompanhar cada movimento de seu peito arfando, o que fazia com que os seios saltassem no decote do vestido. Ela era tão linda... mas ele teria que desfrutar disso em outro dia.

— Eu sinto por desapontá-la, princesa, mas não é sadio para nenhum de nós permanecermos trancados em seu aposento. Agradeço pela ajuda que me conferiu. Meu coração será eternamente grato — ele levou a mão ao peito, mas ela estreitou os olhos.

— Você não tem coração e não acabamos a conversa! — Deidra esmurrou o travesseiro, não confiando em suas pernas para correr atrás dele, elas pareciam ter virado geleia depois de toda aquela tensão.

— Acabamos sim. Você já deixou bem claro seu ponto de vista.

— O que Vossa Majestade fará quanto a isso então?

Daren ergueu as mãos, solícito.

— Não tocarei em um fio de pelo de unicórnio em suas terras, princesa. É claro.


Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora