Sem Coração

24

— O príncipe de Dalriada deseja reunir-se com você — anunciou a rainha com um sorriso mal disfarçado no rosto. Deidra, que tomava o desjejum, sentiu o bocado da torta de maçã parar na garganta. A ama correu para dar-lhe tapinhas nas costas.

— Reunir-se comigo?! — Ela tossiu. — Para quê?

— Acompanhá-la no desjejum, acredito.

— M-me aco... mamãe! — Mas a rainha já tinha lhe dado às costas e convidava o príncipe a adentrar a sala antes que a princesa pudesse se recompor.

Ele estava lindo, inegavelmente, com uma túnica escura e cinto de couro repleto de adagas, facas e uma espada longa, como se demonstrar seu poder pudesse fazê-la gostar mais dele de alguma forma. Daren sentou-se de frente para ela, amparando o braço ferido e ainda enfaixado, depois, uma vez acomodado, esticou as longas pernas até seus pés tocarem os dela por baixo da mesa.

Deidra sobressaltou-se com o contato inesperado, e Daren sorriu como um lobo ao avistar uma presa.

— O que houve com seu braço, príncipe Daren? — a rainha perguntou educadamente, tomando a cabeceira da mesa na ausência do rei.

— Um pequeno acidente de caça, Majestade, nada grave — ele respondeu com um meneio de cabeça. Na cabeça de Deidra, ela o via estendido no chão de uma forma que não podia ser chamada de "nada grave".

— Desejo melhoras. — A mãe concluiu, e Deidra se irritou com a troca de palavras afável entre eles. Ela sabia quem ele era e não era aquela pessoa bozinha, não era afável, era o Sem Coração!

— Não deveria estar reunido com meu pai? — Ela o cortou, recebendo da mãe um olhar reprovador.

Daren sorriu como se soubesse de um segredo que ela ignorava.

— Tenho autorização dele para estar aqui.

"Oh, é claro que tem!", Deidra suspirou, cerrando os punhos. Seu pai devia adorar a ideia de vê-la junto do homem mais temido da região.

— Eu não acho muito apropriado o senhor deixar de lado um compromisso com o rei para passar um tempo com a filha solteira dele.

— Deidra! — a mãe rosnou. — Não se deve falar assim com o príncipe!

Daren, que ria, garantiu à rainha que não havia problema se a princesa fosse um pouco selvagem com ele.

— As potrancas tendem a ser mais arredias antes da primeira monta — ele comentou debochado, fazendo com que a rainha corasse e Deidra arregalasse os olhos.

— Com certeza não pode falar assim com a rainha! — A princesa guinchou, mas ele deu de ombros e pegou tranquilamente um pedaço da torta.

— Não se preocupe — balbuciou a rainha, voltando à atenção para o prato, ainda um pouco chocada com o comportamento tanto da filha como do príncipe.

Deidra duvidava que alguém algum dia já tivesse falado assim com sua mãe.

— Se quer saber o que eu acho, princesa — Daren continuou. Ela não queria saber. — Eu acho que não há nada mais apropriado e até desejável do que um príncipe e uma princesa descomprometidos passando um tempo juntos. Por isso mesmo estou aqui para convidá-la para um passeio no lago.

O coração de Deidra começou a galopar.

— Que lago?

Imediatamente ela viu o lago de Embarr, assim como viu o Sem Coração irrompendo pela clareira armado com espada e arco, pronto para se vingar. Encarando-o do outro lado da mesa, viu que ele sabia exatamente em que ela pensava.

— O lago do castelo, princesa — ele respondeu pausadamente, como se ela fosse estúpida e não soubesse o que era um lago. Não o lago encantado que você mantém escondido nos recônditos da floresta, era o que verdadeiramente a expressão dele dizia.

Ele arqueou as sobrancelhas.

Agora sua expressão dizia algo como: você vai ou quer que eu conte que anda passeando à noite escondida, ratinha?

De repente, Deidra se deu conta de que tinha muito a perder contrariando o príncipe, então cedeu. Ela tinha que acertar sua situação com ele, o monstro, caso contrário, enquanto estivesse no castelo, viveriam sob a sombra da verdade vir à tona, desde os segredos da floresta, do unicórnio, cavalo branco, até enfim a estadia de Daren em seu quarto, que resultaria obviamente em desastre.

Engolindo em seco e reunindo coragem, Deidra terminou seu último bocado de torta e levantou-se, concordando com os planos do príncipe.