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— Ah meu Deus! — ela levou as mãos ao rosto ao vê-lo caído. Parecia morto e Deidra só não virou e saiu correndo apavorada porque uma força maior que ela pareceu envolvê-la, incitando-a a seguir em frente e se aproximar.

Não havia sinal do cavalo, embora as águas do lago estivessem revoltas. Deidra se lembrou que as histórias diziam que os portais ficavam na água... seu coração palpitou dentro do peito. Ela sentia que Embarr tinha partido por ali, voltado para casa, mas quanto a quem cortara a corda, não fazia ideia.

Percebeu, então, que um cervo enorme a encarava, havia ramos enroscados em seus chifres, e Deidra pensou em sair correndo antes que ele investisse contra ela por invadir seu território, mas o animal simplesmente desapareceu em meio às árvores. Ela suspirou, tomando coragem para se abaixar perto do príncipe.

Ele parecia simplesmente dormir em um sono encantado em meio às flores pequeninas, mas ela sabia que não era esse o caso. Vira-o ser arrastado pelo enorme cavalo. Temia aproximar-se, mas foi em frente engolindo em seco. Seus dedos tocaram a palma da mão enroscada na corda, sentindo-a quente, roçou nos dedos ásperos e feridos dele e por fim tomou coragem para pousar a mão no peito do príncipe, por entre a camisa rasgada.

Embora estivesse atenta demais ao contato de pele com pele — e pelo fato de estar deliberadamente tocando um homem, o que não era autorizada a fazer —, sentiu o coração dele batendo, contrário a todas as lendas sobre o caçador.

"Ele tem um coração, afinal. E está batendo", pensou.

Deidra respirou aliviada e não pôde evitar as lágrimas que escorreram por seu rosto, eram lágrimas de alívio e medo. Como podia um homem causar tantos estragos e trazer tanta destruição? Desde o dia em que chegara, pessoas e animais só faziam se machucar. Os lobos na fronteira — não que ela estivesse exatamente triste por eles —, o javali, ela própria que caíra na armadilha e que ainda sentia dor, o cavalo branco e até ele mesmo.

— Alguém deveria colocar um cabresto em você — ela fungou, dando um tapinha no ombro do príncipe desacordado.

Agora, ela ainda teria que dar um jeito de tirá-lo dali.

Sua ideia inicial fora voltar ao castelo e chamar ajuda, mas isso demandaria uma longa e complexa explicação, sem contar que revelaria a eles o lugar do poço sagrado. Ela não sabia como levaria os homens até Daren se não seguisse por aquela trilha, depois teria que inventar uma história para o motivo dele ter ficado tão ferido e não achava que os homens do Sem Coração fossem acreditar em qualquer mentira boba. Ele com certeza não parecia ser alguém que se machucava e perdia os sentidos com frequência.

Oh céus, ele viraria uma fera quando acordasse!

Sem outra opção, Deidra voltou para buscar o cavalo do príncipe e se descobriu mais forte do que pensava quando tentou erguê-lo para colocá-lo sobre o lombo do animal.

— Parece fácil quando eles fazem isso com a gente! — ela bufou, apoiando o peso masculino dele em um ombro, enquanto com o outro se recostava no cavalo, que parecia tão infeliz quanto ela. — Urgh! Homens! Você podia acordar agora — ela sugeriu ao príncipe depois de passar os dois braços dele sobre a sela e descobrir que não havia muito mais que pudesse fazer. Meia Noite relinchou. — Muito bem — ela limpou o suor da testa. — Vamos tentar ao estilo clássico. Não acorde agora ou você vai se sentir um pouco humilhado...

Ela se ajoelhou aos pés dele, fitou por um momento as botas de montaria enlameadas, mas por fim abraçou seus joelhos e tentou erguê-lo. E depois empurrá-lo... Até o momento em que percebeu que estava com a mão em um lugar onde não deveria estar de forma alguma.

Deidra o soltou horrorizada e Daren lentamente escorregou da sela. Ela se ergueu em um pulo e o amparou antes que caísse no chão, evitando ter todo o trabalho de erguê-lo de novo.

— Deuses, o que é que eu vou fazer? — ela gemeu depois de ter encaixado os braços do príncipe no arreio de forma que permanecesse em pé ao lado do cavalo, então ela se sentou no tronco e escondeu o rosto nos braços, permitindo-se chorar de desespero. Logo anoiteceria e ela estaria ali, perdida, com um homem desacordado.

Meia Noite relinchou ensurdecedoramente, como se ele próprio tivesse decidido chamar socorro.

— A senhora precisa de ajuda? — disse uma voz desconhecida, jovem, que fez Deidra se sobressaltar. Poderia ser um duende saído dos confins da floresta, ela pensou, mas era um garoto puxando um cavalo alazão.

Deidra imediatamente virou o rosto para o outro lado, antes que ele a reconhecesse e espalhasse qualquer boato.

— Você tem força o suficiente para erguer este homem até a sela? — ela o espiou pelo canto dos olhos, tendo um vislumbre apenas de ombros estreitos em um corpo magrelo. Jamais ele ergueria Daren, ela mesma podia responder isso.

O menino se encolheu.

— Sozinho não — ela não podia ver seu rosto sem deixar que ele a visse também, mas podia imaginar a expressão aflita dele pelo tom de voz.

— Bem, então venha cá que eu ajudo — ela o chamou fazendo um gesto com o braço e deixando o rosto virado para o outro lado. O menino hesitou, mas enfim largou o cavalo, que imediatamente começou a pastar, e foi até ela. — Muito bem. Vamos pegar as pernas dele e empurrá-lo para cima — ela comandou.

— Senhora — o menino pigarreou. — Desse jeito ele vai cair do outro lado como um saco de batatas. É mais fácil se a senhora ficar do outro lado e o puxar por lá.

— E se ele cair em cima de mim?

O garoto encolheu os ombros.

— É melhor do que cair de cabeça no chão e quebrar o pescoço.

Deidra bufou, mas deu a volta no cavalo.

O rapazote era magro, mas afinal tinha força o suficiente para empurrar Daren, pelo menos até que ele estivesse com os pés fora do chão e com meio corpo sobre a sela. Deidra o puxava pela camisa e resolveu ignorar o fato de que o rosto do príncipe estar exatamente em seu busto.

— O que aconteceu com o príncipe, senhora? — o garoto perguntou.

— Não é da sua conta — ela respondeu apavorada pela possibilidade de que seguido dessa pergunta, outras viessem. Em seguida, envergonhou-se. Ele era só um menino e, além de tudo, estava ajudando-a. Deidra ficou grata por estarem de lados opostos do cavalo, assim ele não poderia reconhecê-la e tampouco ver a culpa e a vergonha estampadas em seu rosto. — E-ele sofreu um acidente. Você o conhece?

— Uhum — o garoto respondeu acanhado. — Eu trabalho para ele.

"Ai meu Deus do céu!", apavorou-se. Deidra resistiu ao impulso de largar Daren e sair correndo, pois o menino poderia falar coisas horrendas, espalhar boatos constrangedores e... "Foco, Deidra!", repreendeu-se mentalmente.

Ela pigarreou.

— Eu agradeceria se não falasse sobre isso com ninguém. Você sabe como o príncipe é. Sem Coração e tudo o mais... ele vai ficar muito bravo se descobrir que alguém foi testemunha desse vexame — ela pensou em pagar pelo silêncio do rapaz, mas isso poderia claramente virar o jogo contra ela, além do mais, se não oferecesse nenhum tipo de recompensa, o menino talvez nunca descobrisse que ela era a princesa e ficaria pensando que fosse apenas uma criada, o que seria muito melhor.

Sem responder, o menino se dirigiu ao alazão que ainda estava pastando perto deles. Deidra entendeu isso como um consentimento. 

Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora