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A comitiva do príncipe estava atrasada, ele sabia disso por conta do Sol se pondo no horizonte, tornando o céu alaranjado. Os cavalos estavam agitados, seus homens o olhavam em busca de comando, contudo não havia nada a dizer naquele momento.

Havia algo que os espreitava, que seguia seus rastros de perto, e já o vinha fazendo há horas. Ele sentia isso, era o melhor caçador em que qualquer rei já havia colocado os olhos. Se dizia que estavam sendo lenta e deliberadamente emboscados, era porque estavam. Amaldiçoada fosse a floresta densa que separava seu reino do de seu anfitrião aliado! Embora, para ser sincero, ele já esperasse por isso.

Sua mão fechou-se involuntariamente ao redor do cabo do machado preso na sela de Sangue, seu cavalo favorito. O pelo do alazão, quase vermelho à luz do sol, fazia o príncipe se sentir poderoso, além de ser adequado ao apelido que os homens haviam lhe dado; Sem Coração.

Porque ele não tinha piedade. Porque matava sem titubear.

Um cavalo vermelho para um homem com sangue nas mãos.

Então ele ouviu o uivo e incitou Sangue a avançar floresta a dentro. "Já era hora!"

— Onde está indo, senhor? — perguntou seu comandante, aflito.

Daren freou o cavalo, virando-se carrancudo para o homem.

— O que é isso na sua voz? Está com medo? — Ele riu, desdenhoso e sem humor. — Está com medo de um punhado de lobos?

O homem engoliu em seco, sabia que não podia brincar com o Sem Coração. Bastaria uma palavra errada e a cabeça dele ia rolar tão facilmente quanto a do lobo, pois era certo que o príncipe iria ao encontro da matilha.

— Há muitos deles nesta região — foi tudo o que ele comentou. — Podem ser mais do que nós...

Daren lançou um olhar desinteressado aos homens que o acompanhavam.

— Está sugerindo que meus nove melhores homens, treinados por você, não são o suficiente para deter um punhado de lobos?

Mas não era "um punhado", Daren sabia disso. A região era infestada de lobos, grandes como ursos, ferozes como as bestas saídas dos contos ao redor das fogueiras. Ele sabia disso, sabia desde muito antes de traçar seu caminho, de sair de seu reino e de ser convidado pelo rei vizinho.

Quando ele era garoto, os lobos da fronteira de Dalriada já aterrorizavam as crianças em suas camas na hora de dormir. Ainda assim o Sem Coração sorriu.

Ele estava absolutamente pronto para derramar sangue de lobo. Na verdade, tinha escolhido aquele caminho só por isso.

***

Deidra cruzou os braços recostando-se desanimada na parede de pedra fria do corredor. Lá embaixo, no salão principal, a festa acontecia depois da recepção formal dos guerreiros recém-chegados. Recepção esta que ela queria muito participar, seria uma oportunidade de ver rostos novos, ouvir histórias diferentes, principalmente depois de seus últimos tempos de reclusão. Mas o pai a havia proibido de descer. Não era o momento, ele disse. Não queria distrações antecipadas, logo ele se encarregaria de apresentá-la aos homens.

— Ao seu devido tempo — resmungou Deidra, entoando o mesmo tom de voz do pai e atraindo o olhar das jovens criadas que vinham da cozinha com os rostos afogueados. Elas diminuíram o passo e fizeram uma reverência para a princesa antes de desaparecerem na curva seguinte, compartilhando risinhos abafados.

— Não é justo — sussurrou Deidra.

Ela queria ver o que aquelas mulheres tinham visto, provar os mesmos gostos, tocar as mesmas coisas. "Ou os mesmos homens", ela pensou com um rubor forte ardendo-lhe no rosto, sem saber de onde tinha vindo esse pensamento lascivo. Ela deu um tapinha na bochecha, a ideia de vários homens desconhecidos ficarem no castelo, e um deles estar tão próximo de se tornar seu noivo, estava virando sua cabeça.

Antes ela nunca tinha ligado para homem nenhum, mas desde que começara a chamar a atenção deles, uma curiosidade tentadora passou a segui-la.

— Faça qualquer coisa e nunca mais verá unicórnio nenhum — Deidra comentou consigo, em um tom reprovador que sequer a mãe dela saberia usar tão bem.

— O que disse menina? — Era a ama surgindo pela mesma curva em que as criadas sumiram. Deidra deu graças por estar perto do archote que escondia seu rubor no jogo de sombras causadas pelas chamas. E, caso alguém perguntasse, Deidra sempre poderia dizer que era por causa do calor.

Ela esfregou as mãos.

— Como estão as coisas lá embaixo?

A ama rolou os olhos. Fazia horas que Deidra postara-se no piso superior, parada no topo da escada que levava ao alojamento dos criados, subornando quem quer que passasse ali para lhe contar sobre a festa — com exceção das jovens que provavelmente estavam aproveitando tudo o que Deidra, mesmo que estivesse na festa, não poderia aproveitar.

— Eles são muitos? — a princesa insistiu.

— Você já perguntou isso quatro vezes! — rebateu a ama. — Quer saber de uma coisa? Você venceu... — Enquanto Deidra a olhava curiosa, a ama a agarrou pelo braço e a puxou em direção a um cômodo ali próximo.

— O que... — Antes que a princesa terminasse sua pergunta, a mulher lhe jogou uma touca e um vestido velho, igual ao que as garotas da cozinha costumavam usar.

— Vou lhe dar algum tempo, mas seja discreta. Olhe tudo o que quiser, mas não saia da cozinha, fui clara? Se seu pai descobrir, serei açoitada, você entendeu? Então não fique me olhando! Vá se trocar!


Sem CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora