Lázaro

4 1 0
                                    

Lázaro

Eu podia ouvir esse barulho realmente irritante. O que é que foi isso? Virando na cama, percebi que era o meu despertador. Ah, por que o alarme precisa funcionar? Levantando-me, sentei-me na cama tentando acordar. Eram seis e meia, uma hora antes de eu ir para a escola.

Agarrando minhas roupas, entrei no banheiro e liguei o chuveiro. Cara, a água ainda não estava quente. Fiquei checando para ver se havia algum aquecimento, não. Droga, outro banho gelado. O aquecedor de água estava sempre funcionando. Era como se soubesse quando eu queria tomar um banho, para que nunca esquentasse minha água. Coisa estúpida.

Eu saí do chuveiro e vesti algumas roupas. Eu serei amaldiçoado se ficar doente por causa de um banho frio.

Vesti meu par favorito de calças pretas e camisa branca. Eu amo preto e branco juntos. Quase tudo o que eu usava era preto e alguma outra cor, além de branco e azul. Puxando meu cabelo com um pente, eu o vi cair em cascata na minha testa. Eu odiava ter cabelos negros. Eu gostaria que fossem loiros para que combinassem com minha pele pálida. Reginaldo passou em meu apartamento e corremos para a escola, rezei para não me atrasar. Se eu recebesse outro deslize tardio, eu receberia uma bronca do professor.

Vendo os portões, a esperança passou por mim. Alcançando-os e entrando, nós nos encostamos à parede para recuperarmos o fôlego.

— Nossa, eu estava fora de forma — disse Reginaldo.

A campainha tocou e entramos na sala. Teríamos aulas de Ciências. Eu odiava a ciência.

Sentando-me na mesa ao lado da de Reginaldo, peguei meu bloco de notas e o caderno de desenho. Tomei notas, mas quando fiquei entediado fiz esboços de desenhos.

Observando as crianças entrarem, eu me lembrei daquela que fez meus dias tão longos, a dama loira.

Joyce entrou na sala, com uma bolsa rosa, cinto rosa e calça rosa. Pior, até sapatos cor de rosa. Deus, a presença dela me fez estremecer. Como alguém poderia usar tanto rosa?

Esperando que ela não me notasse, comecei a desenhar. Era a dama loira ao meu lado. O vento soprava seu cabelo para a esquerda no desenho.

Estranho, eu nunca desenhei mulheres antes. Sempre eram prédios ou animais, ou até flores. Nunca é uma mulher.

Uma sombra pairou sobre mim. Olhando para cima, olhei nos olhos da pessoa mais odiada que eu conseguia pensar, Joyce.

— Oi, Reginaldo. Oi, Lázaro — disse Joyce passando seus olhos de Reginaldo para mim.

— Bom dia, Joyce — disse Reginaldo levantando a cabeça.

— O que você está fazendo, Lazaro? — ela disse com um olhar esnobe.

— O óbvio, desenhando — eu disse.

— O que você está desenhando? — ela perguntou casualmente. Cobri o desenho com o braço, mas não olhei para ela. "Algo estúpido" era tudo que eu podia dizer.

— Puxa, você realmente tem um dom artístico, não é? — ela disse com um olhar falso. — Bem. Eu posso me sentar perto de vocês também — ela disse com um sorriso suave. Eu congelei. Próximo a mim? Ohh merda, por favor, não ao meu lado. Eu olhei para Joyce. Nossos olhos se encontram.

— Claro. Sente-se — disse Reginaldo ao meu lado.

Então se virou e caminhou até o assento dela a minha direita. Observando-a pelo canto do meu olho, eu a vi sentar e simplesmente relaxar como se fosse a dona do lugar.

Oh, como eu gostaria de poder ser invisível para ela.

***

Fechei os olhos ao me deitar na cama, mas quase imediatamente as preocupações habituais começaram a me invadir. Eu havia desligado todas as lâmpadas do apartamento. Um galho bateu contra a janela cortinada do meu quarto. Lá fora estava preto como piche. A noite tinha a qualidade de um livro infantil de figuras: uma lua crescente e cheia de galhos, esporos de névoa flutuando por ela. O ar ficou assustadoramente pesado e por um momento eu me senti deslocado, suspenso no tempo. Minha insônia me deixa vulnerável aos truques noturnos, então mexi os dedos dos pés debaixo dos cobertores. Eu também estava quase conseguindo dormir quando ouvi algo-passos dentro do apartamento.

Os meus olhos se abriram. Eu estava sozinho lá dentro. Alguém está aqui, eu disse a mim mesmo. Esse talvez tenha sido o primeiro sinal de que meus pensamentos estavam se originando do raciocínio consciente. Em vez de medo, senti uma leve indignação, como se o que quer que estivesse lá não estivesse jogando limpo.

Eu senti uma presença no quarto. O lado da minha cama afundou como se alguém tivesse se sentado. Braços me envolveram por trás. Senti uma picada de agulhas no lado do meu pescoço quando um corpo foi pressionado contra o meu. Parecia ser feito de fragmentos de gelo, milhões deles, mas de alguma forma unidos em forma humana. Esta foi a imagem que se desenvolveu em minha cabeça quando os braços frios me envolveram.

Lágrimas embaçaram meus olhos. Eu estava exausto, lutando para me mover. Suspirei. Os braços se apertaram em resposta, como se tivessem consciência do meu medo. Suspirei novamente. Mais uma vez os braços se apertaram. Empurrei meu diafragma mais uma vez. Os pulmões se esvaziaram. Comecei a entrar em pânico. Gritei, mas nenhum som veio. Tentei me libertar, mas não conseguia mexer os braços e nem as pernas. Logo eu não conseguia mais respirar. A pressão aumentou no meu peito.

De repente, os braços frios se desprenderam de mim. Eu consegui me mover. Ao me virar, eu pude enxergar um vulto na penumbra. A coisa virou um borrão e desapareceu.

No banheiro, joguei água fria no meu rosto e olhei no espelho. Eu vi um hematoma no meu pescoço. A marca estava mais nítida do que antes.

Eu sofri de pesadelos ultimamente. Tentei entender a psicologia desses supostos sonhos sinistros e as experiências que os alimentam. Os seres humanos, é claro, nascem com um viés evolutivo que nos predispõe a temer qualquer criatura que represente uma ameaça. O que eu tinha era um medo racional repetido em um ambiente irracional, em outras palavras, uma fobia. Muitas vezes, eu tinha pesadelos onde alguém tentava me matar. Eu costumava sonhar com os valentões do colégio às vezes.

Eu poderia explicar pesadelos com pessoas querendo me destruir. Mas as mãos geladas e a picada no meu pescoço não haviam sido um pesadelo. Isso aconteceu enquanto eu estava acordado.

— O que está acontecendo comigo? — eu disse para mim mesmo quando olhei para aquela mancha vermelha no pescoço.


SombraOnde histórias criam vida. Descubra agora